icon-plus
Let Them Be Children (2018), de Deborah Roberts, no estande da Stephen Friedman Gallery (Fotos: Luana Fortes)
Postado em 20/12/2018 - 4:05
Miami Basel revela lacunas de coleções de arte
Mulheres e negros se destacaram entre os 4 mil artistas da feira
Luana Fortes

A 17ª edição da Art Basel Miami Beach aconteceu entre 4 a 9 de dezembro no sul dessa cidade-ilha na Flórida, EUA. Ir a feira de arte desse calibre, que apresentou mais de 4 mil artistas de 268 galerias de 35 países, significa pensar sobre aquilo que o mercado está buscando. É a perfeita oportunidade para analisar quais as lacunas que grandes coleções pretendem – e certamente precisam – preencher.

Mulheres, negros e latino-americanos estão entre os artistas ainda pouco representados institucionalmente e em acervos particulares. Uma breve ida à 17ª Miami Basel seria suficiente para perceber que vender obras desses artistas não só é um bom negócio como também um dever ético. A preocupação na feira era nítida, a começar pela capa da revista da Miami Basel, que foi estampada pela obra This Ain´t No Fairytale (2018) de Deborah Roberts, americana negra apresentada na feira pela Stephen Friedman Gallery (Londres).

Na seção Kabinett, em que galerias apresentam exposições curadas em ambientes separados nos seus estandes, um caso destacou-se nesse aspecto. A parisiense Galerie Frank Elbaz mostrou o vídeo An Ecstatic Experience (2015) de Ja’Tovia Gary, que tem como sinopse a frase “Uma invocação meditativa sobre transcendência como forma de restauração”. O filme experimental de seis minutos tem como base um depoimento de Fannie Moore sobre criar seus filhos como escravizada. Interpretado no trabalho de Gary pela atriz Ruby Dee, o depoimento foi gravado e preservado pelo Federal Writers Project (FWP) e pela instituição americana Biblioteca do Congresso.

A exibição de Billie Zangewa no estande da Blank Projects (Cape Town) também chamou a atenção. A artista trabalha com bordado em tapetes de seda e costuma representar a si mesma e a pessoas próximas de sua intimidade em cenas cotidianas. No sábado, 8/12, Zangewa participou da conversa Feminism: The Global View com a curadora e jornalista Maura Reilly e Cecilia Fajardo-Hill, curadora independente que ao lado de Andrea Giunta montou a exposição coletiva Mulheres Radicais: Arte Latino-americana 1960-1985. A artista descreve sua atuação política como feminismo diário. Na conversa contou que quando lhe aconselharam a produzir trabalhos menos femininos, respondeu que os faria o mais feminino possível.

A Galeria Jaqueline Martins (São Paulo), uma das 14 brasileiras a participar do evento, apresentou uma individual da carioca Regina Vater no setor Survey, destinado a projetos artísticos históricos. Entre outras coisas, o estande exibia gravuras da série Tropicália (1968-1969), que com características pop levantam discussões sobre o corpo feminino. A galerista Jaqueline Martins avalia o saldo da feira como positivo. Tivemos oportunidade de nos encontrar com colecionadores latinos e americanos, fizemos poucos mas bons novos contatos”, diz à seLecT. Com o projeto solo da Regina Vater tivemos uma ótima recepção da mídia internacional. Isso é sempre bom e importante para o artista e galeria, continua. Enquanto isso, no estande da Mendes Wood DM (São Paulo, Bruxelas, NY), 40% dos artistas apresentados eram negros. O espaço exibiu obras de Antonio Obá, Paulo Nazareth, Rubem Valentim e Sonia Gomes.

Galerias brasileiras também estiveram presentes em outras feiras que ocorreram em Miami ao longo da mesma semana. Focada em arte latino-americana, a PINTA Miami teve como um de seus melhores estandes o da Galeria Murilo Castro (BH), que acaba de abrir uma filial em Miami Beach, apostando na cidade como porta de entrada para o mercado de arte norte-americano. Entre os trabalhos apresentados pela mineira estava a impressionante escultura da série Impulso (1999-2017) de Amelia Toledo, em que uma pedra semi-polida pousa sobre uma coluna de concreto. A 12ª edição da PINTA também exibiu em seu setor brasileiro uma exposição coletiva com curadoria de Mario Gioia da qual participaram, além da própria Murilo Castro com obras de Vítor Mizael, artistas das galerias Janaina Torres (SP), Estação (SP), Boiler (Curitiba) e Mamute (Porto Alegre).

Outra feira em que as galerias nacionais marcaram presença foi a Untitled, Art, que ocorre de frente para a praia em Miami Beach. A paulistana Zipper participou dela pelo segundo ano e levou obras de Ayrson Heráclito, Celina Portella, Fernando Velázquez, Janaína Mello Landini, João Castilho e Mario Ramiro. “Toda a seleção dos artistas que apresentamos foi sendo construída a quatro mãos, entre nós da Zipper e o diretor artístico e curador da Untitled, Omar López-Chahoud”, conta à seLecT Lucas Cimino, diretor da galeria. Ele também avaliou sua experiência em Miami como positiva. “Ficamos muito satisfeitos com os resultados, tanto institucionais quanto comerciais. A Untitled tem um astral excelente; ouvi muitos elogios da feira, de modo geral, e do nosso estande, em particular, afirma.

Caminhar, ou melhor, dirigir por Miami (Beach ou não) durante esses 6 dias significa se surpreender e se confundir com o excesso de propaganda sobre arte. Além de uma programação especial em espaços independentes dessas cidades, nessa época são abertas também ao menos 22 outras feiras de arte, menores e normalmente piores – com felizes exceções. A esse turbilhão de eventos se dá o nome de Miami Art Week. É a semana que atrapalha a vida dos moradores, agita o trânsito e incentiva a economia local. No jornal New Times, distribuído gratuitamente às quintas-feiras, um dossiê provoca seus leitores com a manchete e linha fina: A Art Basel é boa para Miami? Ame ou odeie, uma coisa é certa: a feira transformou a cidade.