A grande retrospectiva dedicada ao artista franco-venezuelano Carlos Cruz-Diez, em cartaz no Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires (Malba) é exemplar por vários motivos. Organizada originalmente para o Museum of Fine Arts of Houston, no Texas, a mostra reúne apenas obras de primeira grandeza – o que, de resto, deveria ser o objetivo de qualquer retrospectiva. Ao dispô-las segundo a simples cronologia, a curadoria minimiza a intervenção, esconde a escolha meticulosa e chega a passar a falsa ideia de um artista em evolução ascendente, sem altos e baixos. Sob essa falsa aparência, no entanto, identifica-se o vetor que, se não orienta totalmente a produção de Cruz-Diez, termina por ser a visão norteadora da curadoria, assinada pela diretora do MFAH, Mari Carmen Ramírez. E qual seria essa mirada? A cor, em sua materialidade pura, evidenciada no título da retrospectiva, El Color en el Espacio e en el Tiempo.
É fácil perceber a cada segmento da mostra como, a partir da fase figurativa inicial, a cor começa a se desprender da forma e como a própria forma se desprende do fundo e nega o suporte. Esse processo é visível também em artistas que buscaram a tridimensionalidade e o ambiental, a exemplo de Hélio Oiticica e Lygia Clark, mas numa retrospectiva tão completa como essa de Cruz-Diez – que soma 120 peças de coleções como da Tate Modern, do Centre Georges Pompidou, da Daros Latinamerica, de Patricia Phelps de Cisneros etc. – se chega ao ponto do didatismo. O trabalho de Cruz-Diez tem raízes na pop art e na arte cinética, mas foi tão aprofundado na fisiologia da percepção e nos fundamentos da física e da óptica que acabou por abrir uma trajetória singular, afastando-o de conterrâneos como Jesús Soto – é bom ter em mente que o cinetismo teve terreno fértil no país de Hugo Chávez.
Isso fica patente na série de Fisiocromias (40 ao todo), cujas linhas de cores em sequência vertical, algumas delas saltando do quadro, têm as tonalidades alteradas de acordo com a incidência da luz ambiente. Outra série, Cor Aditiva e Indução Cromática, trabalha com o princípio da persistência retiniana – o olho cria uma cor virtual ao se expor a duas cores complementares.
São conceitos que se repetem e ganham plenitude nas três obras ambientais que fecham a mostra. Ao escolher Cruz-Diez para comemorar os dez anos de existência, o Malba reafirma a sua aposta no embaralhamento de noções entre centro e periferia e busca os pontos comuns a uma experiência latino-americana. São questões que certamente virão à luz quando a mostra chegar ao Brasil, em julho, na Pinacoteca do Estado, e poderá ser aproximada, por exemplo, ao trabalho de Abraham Palatnik e Lothar Charoux.