Projeto do curador Kynaston McShine para o MoMA-NY, no verão de 1970, Information é tida na história das exposições como uma das primeiras pesquisas de fôlego sobre a arte de viés conceitual, político, participativo, crítico ou baseado em processos e temporalidades estendidas. No contexto do que pretendeu ser um relatório de informações sobre a arte jovem emergente em diversas partes do mundo – sempre veiculadas como documentação fotográfica, textos descritivos, desenhos, diagramas, correspondências e todo tipo de material efêmero –, o catálogo de Information deve ser entendido não como documentação da mostra, mas como um de seus espaços de acontecimento.
Cada artista recebeu uma página para ocupar como quisesse, propondo seu uso como espaço expositivo, documental, narrativo ou informacional. O jogo proposto pela curadoria é revelado na página de Jan Dibbets, que reproduz o documento oficial recebido, consultando-o sobre como gostaria de ser representado no catálogo: fotografias da peça na mostra? Fotografias de uma obra prévia? Por uma declaração? Outras fotografias? De outra maneira? “Por meio deste papel”, respondeu o artista de próprio punho. E ponto.
Os usos que os artistas fazem de suas páginas revelam diferentes visões sobre as relações entre arte e informação. Artur Barrio utilizou no catálogo o mesmo material exposto nas paredes do museu: fotografias documentais da ação realizada naquele mesmo ano, em Belo Horizonte (MG), em denúncia contra a violência do regime militar vigente no Brasil, espalhando trouxas ensanguentadas numa praça.
Walter de Maria colocou a mesma informação no catálogo e nas paredes do espaço expositivo “convencional”: a reprodução de uma matéria sobre seu trabalho em uma página da revista Time, de maio de 1969. Com isso, dava a ver, mais que o trabalho, seus meios de difusão, seus processos de mediação, contribuindo para o entendimento de que, em uma sociedade do espetáculo e da comunicação, um trabalho assume outras formas de visibilidade para além de sua apreciação no museu ou na galeria.
Já Daniel Buren – que consta na lista de obras da exposição com um trabalho não realizado em que colocaria cartazes com seus padrões listrados no lugar de painéis publicitários em estações de ônibus de Nova York – usou sua página para questionar o estatuto do documento como obra de arte. Publicou uma fotografia de um cartaz listrado instalado em um painel de Paris, com a legenda: “A única informação possível sobre o meu trabalho é realmente vê-lo. Porque toda imagem é uma ilusão/transformação/redução. Qualquer informação sobre o meu trabalho é apenas uma deformação dele. A fotografia acima foi tirada na Praça Monthelon, Paris. É dada como uma informação sobre o meu trabalho, mais do que uma fotografia de meu trabalho, propriamente”.
Hélio Oiticica publicou um texto-conceito, desconstruindo a ideia de representação e acentuando a importância de sua atividade não limitar ao fazer “arte”; enquanto On Kawara, que expôs trabalhos em livros e cartões-postais, fez para o catálogo um trabalho original em texto:
“ONE MILLION YEARS”
All the Information of Mankind on the Earth.
CURADOR PRECURSOR
A discussão sobre a invasão da informação em todos os espaços da existência, inaugurando um modo de pensar a vida contemporânea, é um dado central nos trabalhos de mais de 150 artistas de 15 países, mostrados em Information. “O material apresentado pelos artistas é consideravelmente variado, também espirituoso, se não desafiador – o que não é surpreendente, considerando as crises política, social e econômica que são fenômenos quase universais de 1970”, escreve Kynaston McShine no ensaio curatorial.
“É impróprio, se não absurdo, acordar de manhã, ir até a sala e aplicar pinceladas de tinta de um pequeno tubo em um quadrado de tela. O que você, como jovem artista, pode fazer que seja relevante e significativo?”, indaga McShine, que atuava como curador associado do departamento de pintura e escultura do MoMA e era então, de acordo com um artigo do The New York Times da época, a única pessoa negra servindo como curador de uma grande instituição nos EUA.
A significativa presença de artistas do Brasil, Argentina e Iugoslávia, países às margens do eixo hegemônico – contribuindo com informações sobre o universo não eurocêntrico, confere pioneirismo à visão de mundo descolonial do curador nascido em Trinidad y Tobago, em 1935. “Não é mais imperativo para um artista estar em Paris ou Nova York”, escreveu, antecipando-se aos movimentos de arte do Sul Global. Esta sua atuação é consideravelmente mais relevante do que ter promovido uma renovação das definições de arte, nas grandes instituições, explodindo categorias tradicionais de linguagem – o que é comumente atribuído ao seu trabalho, em análises e comentários posteriores.
Cabe lembrar aqui que, na mesma época, outro projeto desenvolvido por uma jovem pesquisadora de vídeo na Biblioteca de Documentação do Centro Georges Pompidou, a belga Christine van Assche, desafiou classificações museológicas e transformou fundamentalmente os modos como o museu colecionava e apresentava trabalhos em vídeo, levando à criação do setor de novas mídias do museu francês.
Em entrevista concedida em 2010 – oito anos antes de sua morte –, McShine apontou que acontecimentos em torno de Information – os protestos da comunidade negra por ter pouca representação no museu; e a revolta contra a Guerra do Vietnã, a sociedade norte-americana e a governança dos museus – foram o “fermento” para a fundação do Studio Museum, no Harlem, o importante centro da arte afro-americana, do qual McShine foi um dos primeiros membros do Conselho.
COLISÕES E COALIZÕES, ONTEM E HOJE
Em reflexão promovida pelo MoMA sobre os legados de Information, 50 anos depois, na ocasião do lançamento do fac-símile do catálogo, a crítica e curadora Lucy R. Lippard, que participa do catálogo com uma lista de leituras sugeridas sobre o tema informação, enfatizou de que forma a crítica institucional e a manifestação política entraram no museu para não mais sair.
“Os protestos de hoje no Whitney, no MoMA e em outros lugares sobre os suspeitos envolvimentos corporativos dos administradores refletem as posições do Art Workers’ Coalition, que pode ser considerado um participante invisível de Information”, apontou a curadora, uma das integrantes da coalizão formada na cidade de Nova York por artistas, cineastas, escritores, críticos e funcionários de museus, em janeiro de 1969, com o objetivo de pressionar os museus da cidade – principalmente o MoMA – a implantar reformas políticas em seus quadros de gestores e códigos de ética.
No verão de 1970, o Art Workers’ Coallision (AWC) protagonizou dentro do MoMA um protesto político contra a Guerra do Vietnã. O gesto de se posicionarem diante da Guernica (1937) de Pablo Picasso, com um cartaz com a fotografia de corpos de vítimas do massacre de My Lai, no Vietnã, foi efetivamente um meio de informar o público da arte sobre os desastres da guerra. Ainda que o cartaz Q: And the babies? A: And the babies. (1969) tenha sido uma intervenção não autorizada, acabou sendo assimilado em Information, constando como “trabalho exibido, mas não incluído na lista de obras”.
Picasso ignorou solenemente os apelos do AWC e do grupo Artists and Writers Protest, que mandaram para a casa do artista, no Sul da França, um pacote com 265 cartas assinadas por proeminentes artistas e escritores requerendo a remoção da Guernica do MoMA, em protesto ao massacre de Songmy e à política bélica dos EUA. A Guernica só voltou para a Espanha, de seu exílio de 40 anos nos EUA, após a morte de Franco, em 1981. Ainda assim, a tela que retrata o bombardeio à cidade basca na Guerra Civil Espanhola segue sendo um libelo contra ataque a civis e crimes de guerra e inspirou a formação do coletivo basco Gernika-Palestina, que desde 2023 tem realizado atos públicos de repúdio ao genocídio em Gaza. Até o fechamento desta edição, no último deles, realizado em San Sebastián, uma centena de pessoas deitaram juntas no chão em homenagem aos mortos e feridos.
Em fevereiro último, manifestantes pró-Palestina ocuparam o MoMA e o Brooklyn Museum, chamando as instituições a se posicionarem pelo cessar-fogo em Gaza, distribuindo panfletos com o manifesto: “Enquanto o MoMA defende ideologias de ‘mudança’ e ‘criatividade’, o Conselho de Administração financia diretamente a ocupação sionista através da fabricação de armas, lobby e investimento corporativo. Ao mesmo tempo, a legitimidade do museu deriva de artistas e trabalhadores culturais, incluindo aqueles ativamente envolvidos na luta anticolonial”.
O catalisador da formação do AWC, em 1969, foi o artista grego Takis, que exigiu a retirada de sua obra de uma mostra no MoMA, em protesto contra a falta de controle dos artistas na exposição de seus trabalhos adquiridos pelo museu. Não é coincidência a semelhança com o caso Maxwell Alexandre, que, em dezembro de 2022, tornou público um debate sobre transparência institucional, exigindo a retirada de uma obra sua da série Novo Poder (2021) da exposição coletiva Quilombo: Vida, Problemas e Aspirações do Negro, no Inhotim, por não concordar com o contexto em que o trabalho estava sendo exibido. Reconstituindo: o artista iniciou uma discussão sobre o racismo sistêmico no circuito de arte publicando em suas redes sociais no dia da inauguração: “34 pretos sob um título que sugere a abordagem de sonhos e problemas DO NEGRO, enquanto três brancos [expõem] sob um título com ênfase no universal, no mundo e na humanidade. (…) o que temos é mais uma vez o negro sendo tratado antropologicamente por uma instituição branca com agentes brancos tomando decisões. (…) vocês vão estar me fazendo um grande favor se decidirem retirar minha obra dessa exposição”.
Seu manifesto por equidade de tratamento, visibilidade e produção de conhecimento institucionais se consolidaria com a criação de seu próprio espaço expositivo, o Pavilhão Maxwell Alexandre, na Rocinha, no Rio de Janeiro, no ano seguinte. Enquanto isso, no evento de 1969, uma coalizão de trabalhadores da arte se formou em resposta à rejeição do MoMA em estabelecer uma discussão pública sobre as suas responsabilidades para com os artistas e o público. Em apenas dois anos de atividade, o AWC organizou manifestações contra a guerra, o racismo, o fascismo, o sexismo e a repressão, antes de se dissolver, em 1971, dando lugar a grupos como Art Strike, Guerilla Art Action Group e Women Artists in Revolution e, décadas depois, segue inspirando organizações como Decolonize This Place.
Se o AWC foi um “participante invisível” de Information, Hans Haacke fez uma pesquisa com os visitantes da exposição sobre a atitude do então governador de Nova York (e ex-presidente do MoMA), Nelson Rockefeller, em relação à Guerra do Vietnã.
Tanto as intervenções não autorizadas quanto as obras da checklist de Information configuram um “relatório internacional” sobre o estatuto da jovem arte conceitual e as grandes crises do momento. Mais que isso, formam uma base histórica para observar como a arte, os artistas e os trabalhadores da arte estão se posicionando sobre os conflitos hoje em curso. Com a tese de que o vídeo continua a definir como artistas exercitam formas de mediação entre a política e a cultura visual, a exposição Signals: How Video Transformed the World, curadoria de Stuart Comer e Michelle Kuo (MoMA, março a julho de 2023), amplia a pesquisa para a paisagem midiática da internet. Além de um consistente segmento de obras históricas, a mostra amplia a investigação iniciada em Information, pisando no ainda mais heterogêneo e instável território da comunicação digital de massa, mostrando como, no século 21, a cultura é alterada com a descentralização da informação e as redes sociais, com ênfase para a nova geração de coletivos de arte e de mídia, como o duo indiano CAMP, o coletivo sírio Abounaddara e o brasileiro Mídia NINJA.