Um mapa da Amazônia desenhado em 1825 por Carl Friedrich von Martius (1794-1868) ocupa o centro do espaço expositivo. A cartografia sinaliza os caminhos traçados pelo botânico alemão durante os três anos que viveu no Brasil catalogando em litografias 20 mil espécies vegetais do País, publicadas nos 40 volumes da obra monumental Flora Brasiliensis. Von Martius é um dos mais célebres e sensacionais viajantes que as expedições científicas ao Brasil jamais conheceram. Amazônia – Os Novos Viajantes, no Museu Brasileiro da Escultura e da Ecologia, reúne artistas e cientistas – atuais e históricos – em uma leitura contemporânea das missões artístico-cientificas que atravessaram o Brasil nos séculos 18 e 19.
“Entendo que o museu tem o papel de divulgar a pesquisa artística e científica”, diz à seLecT o diretor artístico do MuBE, Cauê Alves, que divide a curadoria da exposição com Lúcia Lohmann, uma das maiores especialistas em Amazônia hoje, que apresenta na mostra equipamentos e procedimentos de suas pesquisas de campo. As correspondências entre as duas áreas de pesquisa se perpassam em todo o espaço interno e externo do museu. A artista portuguesa Gabriela Albergaria, que conheceu Lohmann em uma viagem ao Rio Negro, mostra dois trabalhos passíveis de leitura científica. Como o desenho Color Chart from Amazonia (2018), em que cria uma cartela de cores da botânica local.
Já o colombiano Alberto Baraya usa um processo científico para catalogar plantas artificiais, segundo Cauê Alves, para nos fazer refletir sobre a artificialidade de nossa ideia de natureza. “Nossa noção de natureza é fabricada e Baraya nos faz ver isso. A natureza é, em último caso, uma ficção”, diz.
A imaginação é um forte eixo de alguns trabalhos marcantes da exposição. Um deles é A Deusa Branca, do modernista Flavio de Carvalho, que viajou em 1958 para a Amazônia, e fez uma série de fotografias preparatórias para a filmagem de um longa-metragem de ficção sobre uma mulher que teria sido mitificada por uma tribo indígena sem contato com a civilização ocidental. O filme não chegou a se realizar, mas a história da equipe de Flavio de Carvalho na floresta virou um mito. Outro é Gigantica Amazonica (2018), de Marcelo Moscheta, um divertido jogo de dualidade realidade/ficção sobre a monumentalidade da botânica local.
A mostra conta ainda com obras dos artistas-ativistas Frans Krajcberg e Claudia Andujar, que passaram a vida lutando por causas ecológicas, e a instalação resultante da interessante pesquisa de Simone Fontana Reis. Nem Tudo o Que Reluz É Ouro (2018) discorre sobre um valor natural desprezado pelos colonizadores europeus: a terra preta, extremamente fértil, trabalhada por índias com restos de alimentos, plantas, excrementos, carvão e cacos cerâmicos, ao longo de gerações e gerações. O trabalho ensina que até mesmo as civilizações indígenas, afinal, “fabricaram” a natureza brasileira.
“Esta é a primeira mostra que de fato faz jus à ecologia, que está no projeto do museu desde sua origem”, diz Cauê Alves. O terreno de 7 mil m² na esquina da Avenida Europa com a Rua Alemanha era um bosque até os anos 1980. Quando as árvores foram cortadas para a construção de um shopping center, o bairro iniciou uma campanha. O MuBE nasceu dessa movimentação, mas só agora a causa é regada e começa a dar frutos, com projetos curatoriais dedicados a pensar, além da escultura, o espaço e a ecologia.
Serviço
Amazônia – Os Novos Viajantes
MuBE- Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia
Rua Alemanha, 221 – São Paulo
Até 29/7
mube.space