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Esculturas rupestres (1981), de Ana Mendieta (Foto: © The Estate of Ana Mendieta Collection, LLC; Courtesy Galerie Lelong & Co.; Licensed by the Artist Rights Society (ARS), NY)
Postado em 03/10/2023 - 2:50
NAVEGAR UM MUSEU DESCOLONIAL
Artefatos do povo Taino são centro vital de mostra da coleção permanente do Museo del Barrio, formada por múltiplas latinidades

Reenquadrar – repensar, reconsiderar, reimaginar – o amplo espectro da coleção permanente de arte porto-riquenha, latinx, caribenha e latino-americana do Museo del Barrio, de Nova York, é o intuito da exposição de longa duração Something Beautiful: Reframing La Colección, um recorte de cerca de 500 obras de um acervo de 8.500, adquiridas ao longo de mais de 50 anos.

Detalhe da instalação Cohoba (2023), de Glendalys Medina, obra comissionada para a exposição (Foto: Cortesia da artista)

O Museo foi fundado em 1969, no bairro do East Harlem, em Nova York, pelo artista porto-riquenho Raphael Montañez Ortiz, como um “museu de bairro”. O intuito foi garantir às comunidades imigrantes de Porto Rico e seus descendentes conhecimento, preservação e exibição de sua própria história natural, antropologia, cultura e arte, relacionando-a aos mundos da arte nos EUA, Caribe e diásporas globais. “Assim como o Studio Museum, no Harlem, o museu assume a pele dessa empresa tão bem-sucedida em Nova York, que é a ‘instituição museu’, para servir à comunidade latina ao norte do Rio Grande [o rio que delimita a fronteira Sul dos Estados Unidos com o México]”, diz Rodrigo Moura, curador-chefe do Museu del Barrio, à seLecT_ceLesTe.

Untitled (1978), fotografia de Héctor Méndez Caratini (Foto: Cortesia Museo del Barrio / Museum Purchase with the Aguirre Family Fund)

O projeto de pensar o legado cultural porto-riquenho dentro de uma ecologia mais complexa, abrangendo as heranças africanas e indígenas da América Latina, se concretiza em Reframing La Colección. A curadoria, que Moura divide com Susanna V. Temkin e Lee Sessions, marca a identidade descolonial do Museo, situando um conjunto de artefatos pré-colombianos do povo Taino, originário do Caribe, como “centro vital” da exposição.

Maya Zemi II (1975), de Raphael Montañez Ortiz, o fundador do Museo del Barrio; na parede, Site Nº 11: 13.1631º S, 72.5450º W (2018), de Virginia Jaramillo, e Inti Raymi (1979), de César Paternosto (Foto: Cortesia Museo del Barrio)

No processo de apagamento perpetrado sobre as civilizações ameríndias, o povo Taino foi durante séculos considerado extinto. Apenas recentemente historiadores, auxiliados por exames de DNA, confirmaram que um genocídio foi cometido no papel, quando o censo parou de contabilizá-los. O mesmo deu-se com o povo Tupinambá, entre outras etnias, no Brasil. Dados recém-divulgados do censo de 2022, que operou com novas metodologias, apontam que a população indígena no Brasil “cresceu” cerca de 90% desde a última pesquisa, em 2010. Simplesmente, por ampliar a outros territórios, além das terras indígenas demarcadas, a pergunta: você se considera indígena?

El velorio de Oller en Nueva York (1979), de Jorge Soto Sanchez (Foto: Cortesia Museo del Barrio)

Sabe-se, porém, que a identidade indígena resiste em toda a América Latina desde muito antes e apesar dos censos, e que agora é potencializada por um movimento revolucionário de retomada por meio da arte.

ESCUTA DOS ANCESTRAIS
O portal de entrada desse ato de reenquadramento da coleção é o eixo temático Ocama Aracoel: Formas e Espíritos Taino e sua Influência no Movimento de Arte Nuyorican. Glendalys Medina, artista nascida em Porto Rico e criada no Bronx, identificada como nuyorican (palavra inventada a partir do encontro de new yorker e puerto rican), foi convidada e comissionada a realizar um site-specific. A instalação Cohoba (2023) promove o acesso à exposição evocando a cerimônia da cohoba, que representa o centro espiritual da vida comunitária taina. A maçaneta da porta é a releitura de uma kuisa, artefato mágico empregado para induzir o vômito e purificar os pajés antes do rito. Em formato de osso curvo, uma kuisa original é exibida em vitrine da sala seguinte, junto de outras peças tainas que, segundo o curador, sempre foram um “dispositivo vivo” da coleção, a ser alimentado.

Detalhe da instalação Cohoba (2023), de Glendalys Medina, obra comissionada para a exposição (Foto: Cortesia da artista)

Embora os artefatos se apresentem encerrados em vitrines, como manda a expografia etnográfica, a curadoria busca – sempre que possível – alimentar seu caráter mágico por meio do diálogo com a arte contemporânea. Ao redor do campo de espiritualidade ancestral formado pelos objetos de cerâmica e pedra, datados entre 1500 e 1200 a.C., se organizam trabalhos de potência mística e/ou ritualística de artistas como Jorge Soto Sánchez (1947-1987), Juan Sánchez (1954), Rafael Colón Morales (1941-2021), Héctor Méndez Caratini (1949), Virginia Jaramillo (1939), Ana Mendieta (1948-1985), Sheroanawe Hakihiiwe (1971) e Chico da Silva (1910-1985), artista cearense de ascendência indígena, com duas obras recentemente adquiridas pelo Museo del Barrio.

Vista da sala Ocama Aracoel, com conjunto de artefatos pré-colobianos do povo Taino (Foto: Cortesia Museo del Barrio)

Ocama Aracoel, título de canto taino às avós e aos ancestrais, será o único eixo temático permanente ao longo dos 14 meses de duração de uma exposição composta de oito eixos, afirmando-se assim como um núcleo iniciático e comunitário da vida artística e dos legados culturais intersecionais nuyorican, latino-americana e latinx.

Something Beautiful: Reframing La Colección
Até 10/3/2024
Museo del Barrio
1230 5th Avenue, NY