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Moacir dos Anjos, Néstor García Canclini e Maria Amélia Bulhões
Postado em 30/07/2019 - 11:45
Néstor Canclini e Moacir dos Anjos no 2º SIRSA
Com o tema Arte Além da Arte, simpósio sobre sistema da arte recebe o antropólogo argentino e o curador pernambucano
Luana Fortes

Entre os dias 29 e 31 deste mês acontece no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc, em São Paulo, a segunda edição do Simpósio Internacional de Relações Sistêmicas da Arte (SIRSA), com mesas de debate e palestras organizadas ao redor do tema Arte Além da Arte. Feito em parceria com o Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo e vinculado ao CNPq pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRGS, o 2º SIRSA trata de rever as grandes narrativas, debater os processos de legitimação e valoração de obras de arte e analisar novas dimensões do estético nas práticas artísticas contemporâneas.

No primeiro dia de conferência, o grande destaque da programação foi a participação do antropólogo argentino Néstor García Canclini, que lançou o livro Política Cultural: Conceito, Trajetória e Reflexões e em seguida fez uma fala sobre globalização e desglobalização.

Guiado por uma apresentação em slides com imagens de trabalhos de arte, Canclini deu início à palestra contextualizando o que se entendia por globalização entre os anos 1970 e 1980. “Era uma fatalidade da qual não poderíamos escapar que levaria a cada vez maior interdependência entre países”, descreveu. Para esse momento, trouxe como referência o trabalho The World Flag Ant Farm (1990), do artista japonês Yanagi Yukinoro, em que formigas caminham por tubos entre bandeiras de diferentes países feitas de areia colorida. Os pequenos insetos tratam de desintegrar cada imagem e misturar o conteúdo de cada bandeira.

Bandera Vacía (2006), de Paola Parcerisa (Foto: Reprodução)

 

O antropólogo questiona como esse assunto é visto hoje. Para ele, enquanto as maiores economias do mundo decidiram se globalizar, à América Latina foi imposta a globalização. “Em que medida a globalização nos interconecta ou nos segrega? Que interculturalidade é possível quando não há mais relatos que organizem as diferenças?”, questionou Canclini, tendo em vista a circulação transfronteiriça que é a internet. O pesquisador ainda problematizou o que trazem verdadeiramente os acordos de livre comércio firmados nos últimos 30 anos. “Mais empregos e melhores salários ou mais precariedade, comunidades vazias, migrações que dividem as famílias e tiram direitos? Mais muros, naufrágios e circulação hipervigiada ou proibida entre as sociedades? Enormes campos de refugiados e xenofobia?”, perguntou, enquanto mostrou a obra Bandera Vacía (2006), da paraguaia Paola Parcerisa, em que a artista despoja do símbolo nacional da bandeira do Paraguai seu suporte e suas cores, problematizando as migrações no contemporâneo.

“Já disseram que a condição dos artistas latino-americanos é paradoxal. Por um lado, os artistas perguntam como deixar de representar suas nações e se tornar global. Mas quando vão a uma bienal ou querem ser expostos em um museu mainstream, lhes pedem que mostrem sua diferença, seus imaginários periféricos, sua negritude, suas origens indígenas. Lhes exigem que mostrem seu passaporte. Se quer ganhar o mercado global, você tem que se mostrar como perdedor”, considera Canclini, propondo que se pense o que significa não ser desse circuito mainstream.

Membro do conselho internacional de curadoria da BienalSur, Canclini citou o caso dessa grande exposição internacional, que desde 2017 deixou de acontecer a cada dois anos para acontecer durante dois anos, a partir de uma cartografia diversificada que se espalha por diferentes territórios da América Latina.”Pode haver relações sistêmicas entre os modos da arte, mas não há só um sistema. Precisamos de museus, mas também de redes que trabalhem pela heterogeneidade. Precisamos de alianças, sem perder a diversidade, só para compreender aos outros e nos empoderarmos juntos”, concluiu Canclini.

A Geometria à brasileira chega ao paraíso tropical (2018), de Rosana Paulino (Foto: Divulgação)

 

Decolonizar a Brasiliana
Quem seguiu a fala de Néstor Canclini foi o curador Moacir dos Anjos, que trouxe como título de sua palestra Distribuição de Corpos e Representação das Sobras no Brasil Contemporâneo. Dos Anjos partiu de uma reflexão sobre o que se convencionou a chamar de Brasiliana – coleções com representações sobre o Brasil feitas por viajantes europeus que teoricamente tinham por objetivo retratar e documentar características sobre o país colonizado.

“Quase sempre essas representações falam menos daquilo que é representado, usualmente paisagens naturais e humanas do mundo do outro, e mais sobre o olhar daqueles que fazem essas representações. Ou ao menos, informam tanto do Brasil e seus habitantes quanto dos modos de ver e entender dos colonizadores europeus”, disse dos Anjos.

Com isso em vista, o curador propôs uma discussão sobre quatro artistas que decolonizam a Brasiliana a partir de mecanismos como a citação, a apropriação e a recontextualização. Moacir dos Anjos fez leituras a respeito da videoinstalação Funk Staden (2007) de Dias & Riedweg, de pinturas de Thiago Martins de Mello, da série de bandeiras em que Jaime Lauriano desenha com pemba branca sobre algodão preto e do conjunto de obras de Rosana Paulino em que aparecem reproduções de fotografias de Ausgust Sthal do século 19, que pretendiam registrar tipos raciais brasileiros a pedido de Louis Agassiz, nome reconhecido pelo racismo científico.

Necrobrasiliana (2019), de Thiago Martins de Melo (Foto: Cortesia Galeria Leme/AD, Filipe Berndt)

 

2º SIRSA
A programação do Simpósio segue nos dias 30 e 31 de julho com mesas que debatem uma grande diversidade de assuntos. Às 19h do dia 30, a vice-presidente de Cultura da Universidade de Paul Valery Montpellier, na França, Nathalie Moureau fala sobre como colecionadores de arte podem influenciar nos valores de trabalhos de arte. Em seguida, Maria Lucia Bueno, da UFJF, discute coleções e arquivos como agentes de mundialização, tendo como campo de discussão a presença de obras de arte brasileiras em coleções latino-americanas nos Estados Unidos. Já no dia 31, as falas que encerram as atividades são de Paul O’Neill, diretor artístico da agência de curadoria PUBLICS, e da artista e pesquisadora Mônica Hoff.