O trabalho do franco-tunisiano Ismaïl Bahri se aproxima de uma prática do documentário brasileiro contemporâneo definido pela teórica e documentarista Consuelo Lins como “filme-dispositivo”. O termo se refere aos filmes que prescindem de roteiro em favor de estratégias de filmagem que não tem por função refletir uma realidade pré-existente, nem obedecer a um argumento construído antes. A realidade não existe de antemão nos trabalhos que Bahri apresenta na mostra “Instrumentos”, no Espaço Cultural Porto Seguro, em São Paulo. Nas nove videoinstalações que compõem a exposição, os acontecimentos se formam no instante da filmagem, são diretamente influenciados pelos instrumentos construídos pelo artista e imediatamente provocados pela movimentação de seu corpo e de seu olhar.

Os instrumentos de Ismaïl Bahri são objetos simples engajados em tarefas elementares – um copo com tinta preta que faz as vezes de lente de observação do mundo; um novelo de lã usado para medir a distâncias entre um corpo e a câmera que o filma; um papel que é continuamente amassado e desamassado; uma gota d’água pousada sobre uma veia mede a temporalidade de um corpo.
Os roteiros dos filmes de Bahri fazem-se no ato – numa espécie de eco do poema de Antonio Machado: Caminhante no hay caminho, se hace caminho al andar. O vídeo “Orientações” é um plano-sequência de câmera subjetiva que registra a mão do artista segurando um copo cheio de tinta, ao longo de uma caminhada pelas ruas. O objeto funciona como uma lente que reflete, enfoca e desfoca a realidade ao redor, mas também como uma bússola que orienta o caminho. O pensamento – ou roteiro – se faz no caminhar.
No vídeo “Reverso/Inverso/Avesso”, mãos que amassam uma página de revista são convertidas em instrumentos de decomposição de imagens. “Cinco minutos é o tempo de desconstruir uma imagem”, diz Bahri a seLecT. “A página perde a imagem e se confunde com a pele que a manuseia. Este trabalho fala sobre sermos afetados pelas imagens que nos cercam e sobre o ato de afeta-las”.
O vídeo que Bahri considera o mais importante da mostra, “Lareira/Foco”, é (quase) totalmente branco. Formado apenas por manchas produzidas pelo vento que agita um papel branco pregado à lente da câmera e pelo áudio das indagações e reflexões que o trabalho suscita nos transeuntes dos lugares por onde ele passa.
Na atual ‘era da imagem’, em que bilhões de fotos são publicadas e esquecidas diariamente na internet, instrumentos criados para filmar o vento ou para converter imagens em pó são gestos políticos.