Poucos artistas brasileiros tiveram tanta presença midiática internacional este ano como Ilê Sartuzi ao apresentar, em junho, seu trabalho de conclusão do mestrado na Goldsmiths, escola de artes da University of London, na capital inglesa. O gesto que chamou atenção e baseia todo o projeto é simples de descrever: o jovem artista estrangeiro vai a um imponente museu europeu, no caso, o British Museum, substitui uma moeda histórica por uma réplica, e em seguida deposita a original na urna de doações para visitantes, sem ser flagrado na artimanha.
A imprensa, especializada ou não, pesou no jargão jornalístico nomeando a ação como furto, roubo e assalto, o que intensificou a circulação das manchetes nas redes sociais; o museu, por sua vez, condenou-a publicamente. A narrativa de Sleight of Hand [prestidigitação, ou truque manual de mágica], com o perdão do trocadilho, acabou escapando das mãos do artista, e o efeito viral contribuiu para que o trabalho animasse o debate atual sobre arte e a crítica institucional, mais precisamente a devolução de artefatos subtraídos de seus contextos locais e os limites do alcance do gesto artístico.
Em certa medida, o ato espelha metaforicamente a maneira como grande parte dos objetos resguardados pelo museu chegou lá, e este primeiro aspecto do projeto já aponta uma possível perspectiva decolonial de relação com a obra. Entretanto, como dizem por aí, o diabo está nos detalhes, e boa parte da transgressão mora na linguagem. Para além daquilo que os holofotes revelaram, o que o trabalho oferece são estratégias mais alegóricas e abrangentes, que operam através dos personagens, objetos e interações que surgem na história.
As relações entre as esferas pública e privada da vida social, o emaranhado inconsciente que sustenta as relações de poder e uma investigação sobre o funcionamento e a infraestrutura das coisas em si são temas que já vêm aparecendo na obra de Sartuzi, e podem ser evocados a partir de seu interesse por imagens que se repetem nessa pesquisa, desde o corpo fragmentado (pernas – pés, braços – mãos), à sobreposição de planos reais e virtuais (da fotografia ao 3D). É o choque entre verdade e ficção, o emprego de variadas técnicas e soluções para forjar a teatralidade da situação, que intriga e perturba.