Hélio Oiticica expôs seus Parangolés pela primeira vez na histórica Opinião 65, mostra organizada por Jean Boghici e Ceres Franco no MAM Rio, no ano seguinte ao golpe militar. 60 anos depois do marco da nova figuração no Brasil, as obras ocupam o centro da grande galeria da Pina Contemporânea, convidando o público a participar de uma dança – um contraste em relação à sua primeira exibição, que reuniu os integrantes da Estação Primeira de Mangueira do lado de fora do museu, já que a bateria da escola de samba foi proibida de entrar no espaço. Arte e Carnaval, juntos, seriam um coquetel político forte demais para os anos de chumbo. Hoje, as bandeiras e estandartes do carnaval se tornam objetos vestíveis, feitos em materiais que, sem a ativação pelo movimento do corpo, seriam apenas descartáveis.
Muitas nomenclaturas surgiram na década de 1960 para referir-se a novos e importantes campos de debate e experimentação. O universo polifônico do pop brasileiro apareceu nesse contexto: reagindo a uma realidade de industrialização precária, somada aos traumas causados por um Estado autoritário e violento. Pop Brasil: Vanguarda e Nova Figuração 1960-70 traz cerca de 250 trabalhos de uma época em que os corpos estavam submetidos a essas condições limitantes.
Com nomes como Antonio Dias, Carlos Zilio, Cildo Meireles, Claudio Tozzi, Mira Schendel, Nelson Leirner, Rubens Gerchman e Wanda Pimentel, a exposição dialoga diretamente com o imaginário coletivo de uma desarticulação social imposta pelo capitalismo no Sul global. “Mas é preciso essa densidade para entender o pop também como uma inflamação. Como algo que precisa ser visto em conjunto com as suas vizinhanças”, afirma Pollyana Quintela, que divide a curadoria com Yuri Quevedo.
MADE IN BRAZIL
O corredor de entrada é tomado pelas serigrafias do Happening das Bandeiras (1968), intervenção coletiva que reuniu artistas na praça General Osório, no Rio de Janeiro, reivindicando a ocupação e a explosão de um espaço público cerceado pela repressão política. O movimento de saída da arte dos museus e galerias para as ruas transformou a praça em espaço simbólico festivo e de protesto político, propondo a participação direta dos espectadores e dispondo a ideia de que o pop não estava exclusivamente relacionado aos produtos da cultura de massas, como nos EUA e na Grã Bretanha.
Yuri Quevedo reforça como essa geração de artistas brasileiros menciona a pop art internacional como um referente de uma industrialização opressora. “A arte pop brasileira não deve nada à arte pop estadunidense, pois ela é o outro lado da moeda de um mundo globalizado”, diz ele à celeste.

Entre os astros pop, temos aqui o painel de néon Adoração (1966), de Nelson Leiner, que torna a imagem sacra de Roberto Carlos visível à distância, junto à catraca que limita o acesso do público à representação do ídolo. Há ainda Bob Dylan (1969), Guevara (1967) e Astronautas (1969), de Claudio Tozzi, que marcaram a iconografia pop brasileira.
SEJA MARGINAL, SEJA HERÓI
Rogério Sganzerla e sua produção para o cinema marginal é uma das principais referências do segmento Criminosos e Cultura Marginal. Para o artista dos anos 1960, no Brasil, estar à margem de uma sociedade que foi conivente com o golpe civil-militar é um gesto não apenas de subversão, mas de sobrevivência criativa.
Assim, a marginalidade e os ‘bandidos’ que circulam nas páginas policiais dos jornais se tornam uma postura política e figuras de resistência. Na exposição, um trecho do filme O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Sganzerla, é exibido em diálogo com outros trabalhos que se mobilizam da mesma forma, como a pintura de mesmo nome de Claudio Tozzi (1967) e as bandeiras Seja Marginal Seja Herói (1968), de Hélio Oiticica. Na obra de Tozzi, uma mulher questiona em sua própria cabeça: “Deve haver alguém roubando a casa ou será que estou sonhando” – um lugar ambíguo que, ao mesmo tempo, teme e deseja esse bandido –, enquanto a lâmpada emana uma luz vermelha.


Este ano, em celebração aos 120 anos da Pinacoteca de São Paulo, o programa é dedicado a temas e visualidades populares. Mas não é só a Pina que é pop: a cidade recebe outras exposições que ampliam o debate, como a maior retrospectiva de Andy Warhol já realizada no país, em cartaz no Museu de Arte Brasileira da FAAP. Pollyana Quintella ressalta como pode ser didático e elucidativo ter essas duas mostras em exibição simultaneamente. “Para toda sobra excedente ao Norte, resta uma falta ao Sul”, afirma. A partir de 5/11, Pop Brasil ganha itinerância no Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires (MALBA), na Argentina, hoje sob direção do brasileiro Rodrigo Moura, ampliando o debate para terras latinas.
SERVIÇO
Pop Brasil: vanguarda e nova figuração, 1960-70
Pinacoteca de São Paulo
Edifício Pina Contemporânea | Grande Galeria
Até 05/10/2025
De quarta a segunda, das 10h às 18h (entrada até 17h)