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Vista da exposição Pop Brasil: Vanguarda e Nova Figuração 1960-70 [Foto: Levi Fanan/ Pinacoteca de São Paulo]
Postado em 03/06/2025 - 5:36
O pop como inflamação
Coletividades, marginalidade, desejo e luta de classes delineiam a face nacional da arte pop, na principal exposição do ano da Pinacoteca de São Paulo

Hélio Oiticica expôs seus Parangolés pela primeira vez na histórica Opinião 65, mostra organizada por Jean Boghici e Ceres Franco no MAM Rio, no ano seguinte ao golpe militar. 60 anos depois do marco da nova figuração no Brasil, as obras ocupam o centro da grande galeria da Pina Contemporânea, convidando o público a participar de uma dança – um contraste em relação à sua primeira exibição, que reuniu os integrantes da Estação Primeira de Mangueira do lado de fora do museu, já que a bateria da escola de samba foi proibida de entrar no espaço. Arte e Carnaval, juntos, seriam um coquetel político forte demais para os anos de chumbo. Hoje, as bandeiras e estandartes do carnaval se tornam objetos vestíveis, feitos em materiais que, sem a ativação pelo movimento do corpo, seriam apenas descartáveis.

Muitas nomenclaturas surgiram na década de 1960 para referir-se a novos e importantes campos de debate e experimentação. O universo polifônico do pop brasileiro apareceu nesse contexto: reagindo a uma realidade de industrialização precária, somada aos traumas causados por um Estado autoritário e violento. Pop Brasil: Vanguarda e Nova Figuração 1960-70 traz cerca de 250 trabalhos de uma época em que os corpos estavam submetidos a essas condições limitantes.

Com nomes como Antonio Dias, Carlos Zilio, Cildo Meireles, Claudio Tozzi, Mira Schendel, Nelson Leirner, Rubens Gerchman e Wanda Pimentel, a exposição dialoga diretamente com o imaginário coletivo de uma desarticulação social imposta pelo capitalismo no Sul global. “Mas é preciso essa densidade para entender o pop também como uma inflamação. Como algo que precisa ser visto em conjunto com as suas vizinhanças”, afirma Pollyana Quintela, que divide a curadoria com Yuri Quevedo. 

Parangolé (1965-1967), de Hélio Oiticica [Foto: Beatriz Ferro/ celeste]

MADE IN BRAZIL
O corredor de entrada é tomado pelas serigrafias do Happening das Bandeiras (1968), intervenção coletiva que reuniu artistas na praça General Osório, no Rio de Janeiro, reivindicando a ocupação e a explosão de um espaço público cerceado pela repressão política. O movimento de saída da arte dos museus e galerias para as ruas transformou a praça em espaço simbólico festivo e de protesto político, propondo a participação direta dos espectadores e dispondo a ideia de que o pop não estava exclusivamente relacionado aos produtos da cultura de massas, como nos EUA e na Grã Bretanha.

Yuri Quevedo reforça como essa geração de artistas brasileiros menciona a pop art internacional como um referente de uma industrialização opressora. “A arte pop brasileira não deve nada à arte pop estadunidense, pois ela é o outro lado da moeda de um mundo globalizado”, diz ele à celeste.

Astronautas (1969), de Claudio Tozzi [Foto: Beatriz Ferro/ celeste]
“Despertai com orações / O avanço industrial / Vem trazer nossa redenção”. O pórtico da exposição é inteiramente preenchido pela canção Parque Industrial (1968), de Tom Zé, emblemática faixa tropicalista de crítica ao processo de industrialização e a cultura de consumo como utopia de progresso. As vozes de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa nos guiam para o primeiro núcleo – Astros e Astronautas –, com trabalhos que testemunharam a formação de uma indústria cultural impulsionada pela televisão, e especialmente, a ascensão do culto às celebridades, que incluíram astronautas como Neil Armstrong, o engenheiro aeroespacial da missão Apollo 11, que em 20 de julho de 1969 pisou na Lua com  transmissão ao vivo por rádio e televisão para todo o planeta Terra. 

Entre os astros pop, temos aqui o painel de néon Adoração (1966), de Nelson Leiner, que torna a imagem sacra de Roberto Carlos visível à distância, junto à catraca que limita o acesso do público à representação do ídolo. Há ainda Bob Dylan (1969), Guevara (1967) e Astronautas (1969), de Claudio Tozzi, que marcaram a iconografia pop brasileira. 

Adoração (1966), de Nelson Leiner [Foto: Beatriz Ferro/ celeste]
Vista da exposição Pop Brasil: Vanguarda e Nova Figuração 1960-70 [Foto: Levi Fanan/ Pinacoteca de São Paulo]

SEJA MARGINAL, SEJA HERÓI
Rogério Sganzerla e sua produção para o cinema marginal é uma das principais referências do segmento Criminosos e Cultura Marginal. Para o artista dos anos 1960, no Brasil, estar à margem de uma sociedade que foi conivente com o golpe civil-militar é um gesto não apenas de subversão, mas de sobrevivência criativa. 

Assim, a marginalidade e os ‘bandidos’ que circulam nas páginas policiais dos jornais se tornam uma postura política e figuras de resistência. Na exposição, um trecho do filme O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Sganzerla, é exibido em diálogo com outros trabalhos que se mobilizam da mesma forma, como a pintura de mesmo nome de Claudio Tozzi (1967) e as bandeiras Seja Marginal Seja Herói (1968), de Hélio Oiticica. Na obra de Tozzi, uma mulher questiona em sua própria cabeça: “Deve haver alguém roubando a casa ou será que estou sonhando” – um lugar ambíguo que, ao mesmo tempo, teme e deseja esse bandido –, enquanto a lâmpada emana uma luz vermelha.

Vista da exposição Pop Brasil: Vanguarda e Nova Figuração 1960-70 [Foto: Beatriz Ferro/ celeste]
O desejo é tema de outro núcleo potente, dedicado a  artistas que questionam padrões de gênero e sexualidade. Teresinha Soares reflete sobre as relações afetivas mecanizadas pelo avanço tecnológico da contemporaneidade. Em Caixa de Fazer Amor (1967), a artista constrói uma pequena “máquina” de madeira pintada com cores vivas, conectada a fios elétricos, tubos de plástico, metal e garrafas de vidro. Movido a manivela, o aparelho ressalta uma ideia de indústria e precariedade, que décadas depois seria trabalhada na arte brasileira na forma de “gambiarras”.

Caixa de Fazer Amor (1967), de Teresinha Soares [Foto: Beatriz Ferro/ celeste]
Luta de classes é outro tópico inerente ao pop brasileiro. A segregação entre mundos aparece em Elevador de Serviço (1966) e Elevador Social (sem data), de Rubens Gerchman, obras pertencentes a coleções diferentes que são apresentadas juntas pela primeira vez. Na visão dos curadores, a reunião dos trabalhos amplia a discussão de classe proposta pelo artista em um momento de adensamento das metrópoles e precarização da vida dos trabalhadores. As ruas, como espaços de enfrentamento e manifestações, são destacadas ainda no núcleo Multidão e Espaço Público, palco de disputas simbólicas e políticas da cultura nacional. 

Este ano, em celebração aos 120 anos da Pinacoteca de São Paulo, o programa é dedicado a temas e visualidades populares. Mas não é só a Pina que é pop: a cidade recebe outras exposições que ampliam o debate, como a maior retrospectiva de Andy Warhol já realizada no país, em cartaz no Museu de Arte Brasileira da FAAP. Pollyana Quintella ressalta como pode ser didático e elucidativo ter essas duas mostras em exibição simultaneamente. “Para toda sobra excedente ao Norte, resta uma falta ao Sul”, afirma. A partir de 5/11, Pop Brasil ganha itinerância no Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires (MALBA), na Argentina, hoje sob direção do brasileiro Rodrigo Moura, ampliando o debate para terras latinas. 

 

SERVIÇO

Pop Brasil: vanguarda e nova figuração, 1960-70
Pinacoteca de São Paulo  
Edifício Pina Contemporânea | Grande Galeria
Até 05/10/2025
De quarta a segunda, das 10h às 18h (entrada até 17h)   

Seja Marginal Seja Herói (1968), de Hélio Oiticica [Foto: Beatriz Ferro/ celeste]