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Frame do filme A Atração, de Agnieszka Smoczynska
Postado em 25/10/2016 - 8:37
Onde estão as cineastas na Mostra de São Paulo?
seLecT seleciona seis filmes com protagonistas e diretoras mulheres
Ana Abril

Os protagonistas da 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo são homens. William Friedkin, Antonio Pitanga, Andrzej Wajda e Marco Bellochio, que também desenhou o pôster da Mostra, são os homenageados na atual edição.

Martin Scorsese foi o destaque da 39ª Mostra, e Pedro Almodóvar, Stanley Kubrick, Andrei Tarkóvski, Maurício De Souza e Akira Kurosawa os das cinco edições anteriores. Então, onde estão as cineastas? Em 2016, menos de 70 diretoras têm seus filmes exibidos entre os 300 cineastas selecionados pelo evento cinematográfico. A partir disso, a seLecT foi atrás de filmes com protagonistas femininas e dirigidos por mulheres. Os seis longa-metragens selecionados retratam momentos da vida de mulheres de diferentes idades, países, religiões e camadas sociais, mas todas com um ponto em comum: são inconformadas com o papel tradicionalmente associado a elas. Confira a seleção:

Alba, de Ana Cristina Barragán (Equador, México, Grécia)

Cheio de silêncios, o primeiro longa-metragem de Barragán tem muito a dizer. A linha narrativa foca na história de Alba, uma menina de 11 anos que vai morar com seu pai, Igor, a quem apenas conhece após sua mãe ser internada no hospital. Apesar de mal ter iniciado a pré adolescência, Alba é muito sensível devido à convivência com a doença da mãe. E com essa “forma especial de ser”, a menina que está virando mulher enfrenta a puberdade, o bullying e o fato de se perceber fora da classe social a qual o restante de suas amigas pertence. A interpretação da atriz-mirim Macarena Arias é um dos pontos fortes do filme. Barragán também investe no personagem de Igor, que suscita um sentimento de pena que chega a ser doloroso no espectador. Tudo isso sem gestos dramáticos ou apologia, mas com a simplicidade das pequenas coisas do dia a dia, como a descoberta do nascimento de pelos nas axilas ou a emoção do primeiro beijo. A cereja do bolo acontece com a reafirmação da identidade de Alba em plena puberdade, apesar de sofrer um momento de grande pressão e influência social.

Através do Muro, de Rama Burshtein (Israel)

Michal vai casar. Ela já tem o vestido, o catering e o salão de festas reservado, mas ainda lhe falta um detalhe: o noivo. Há um mês das núpcias, o noivo desiste e, para a surpresa geral, Michal decide seguir firme com o sonho de se casar. A trama do filme se desenvolve a partir desse desejo transcendental. A religião, neste caso o judaísmo, parece ser uma das forças motivadoras que leva a protagonista a pensar que encontrará um novo noivo até a data prevista. No entanto, a real motivação é o desejo de Michal de tomar as rédeas da sua própria vida e, com isso, não depender de homem nenhum para cumprir seus desejos. Com uma personalidade exótica, que desestabiliza qualquer homem, e um trabalho incomum, Michal realiza vários encontros às cegas e coloca uma única condição ao seu futuro esposo: ele tem de ser judeu ortodoxo, como ela. Através do Muro é uma comédia dramática com fortes personagens femininos, como as amigas, a irmã e a mãe da protagonista. As risadas estão garantidas no segundo longa-metragem de Burshtein, antecedido por Preenchendo o Vazio, que também tinha a temática do casamento como plot.   

Mañana a esta Hora, de Lina Rodriguez (Colômbia, Canadá)

A diretora Lina Rodriguez mudou-se da Colômbia para o Canadá por duas razões: para estudar e para fugir do machismo do país sul-americano. Seu segundo filme, Mañana a esta Hora, tem como protagonista Adelaida, uma adolescente de uma família de classe média de Bogotá que é abalada por uma tragédia. As interpretações tremendamente realistas e humanas conquistam o olhar de quem assiste o filme, como se estivesse espiando a vida de uma família através de um buraco na fechadura. O fora de campo visual e sonoro é fundamental para matizar a história, que não poderia ser mais mundana e, portanto, encantadora.

Frame do filme Mañana a esta Hora, de Lina Rodriguez
Frame do filme Mañana a esta Hora, de Lina Rodriguez

A Atração, de Agnieszka Smoczynska (Polônia)

Uma peça audiovisual com cenas musicais e traços do torture porn protagonizada por duas sereias é algo a ser assistido. As sereias de Smoczynska têm mais coisas em comum com as da Odisséia do que com a Ariel, da Disney. Elas são sedutoras, têm uma voz fascinante e, ao invés de atordoar os marinheiros com seu canto, preferem comer os corações de qualquer humano. As irmãs Prata, a loira, e Dourada, a morena, saíram do mar e acabaram fazendo shows em uma boate, em Varsóvia. O problema surge quando Prata se apaixona pelo baixista da banda. Dessa paixão nasce um amor com uma insatisfação carnal motivada pela falta de pernas e vagina da sereia. Prata fará de tudo para reverter a situação, o que significa até mesmo colocar sua vida em risco. Ciente disso, Dourada tenta conter e salvar sua irmã. Violência e sexo compõem essa irmandade, onde as sereias acabam demonstrando mais humanidade do esperado. 

Pano de Limpeza, de Ahu Öztürk (Turquia, Alemanha)

Nesrin e Hatun são duas faxineiras curdas que vivem em Istambul. Hatun é tia de Nesrin e a tem como uma filha, uma vez que moram no mesmo prédio e possuem um vínculo estreito. O filme reflete, entre outras coisas, as relações entre os diferentes estratos da sociedade turca: Nesrin e Hatun moram na periferia, em casas alugadas, e trabalham nos bairros mais ricos da cidade. Nesrin tem uma filha pequena e compartilha com Hatun a desgraça de estar casada com homens preguiçosos, que não trabalham. Cansada, ela expulsa seu marido de casa e o impede de voltar antes de encontrar um emprego. No entanto, a agonia de não saber o paradeiro do marido após vários dias toma conta de Nesrin, que é responsável por sustentar a filha e arcar com o aluguel por meio de um trabalho que não oferece seguro-médico e onde crianças não são bem-vindas. Hatun, por sua vez, é confundida com uma circassiana por seu cabelo loiro, que lhe gera orgulho e demonstra a baixa estima que o povo curdo possui sobre si mesmo. Ela também sonha em comprar uma casa no bairro rico onde faz faxina. A dura rotina das mulheres é quebrada com pequenos prazeres, como fumar um cigarro ou comer sementes de girassol enquanto fofocam. Destaca-se o empoderamento das personagens, tanto no trabalho quanto em sua relação com os maridos, em uma sociedade machista como a turca. O filme também retrata com clareza o peso da educação dos filhos, as tarefas de casa e o trabalho que recai sobre as costas delas, ao mesmo tempo em que ambas lutam para realizar seus sonhos e, sobretudo, serem felizes.

Amor e outras Catástrofes, de Sofie Stougaard (Dinamarca)

A principal catástrofe do longa de Stougaard acontece quando a terapeuta Rosa descobre que o pai de sua paciente grávida, Sonja, é Frederik, seu próprio marido. O filme quebra a ideia estereotipada da competição entre mulheres e evidencia a importância dessa união. Ao homem infiel, o filme reserva situações ridículas durante grande parte das cenas. A comédia dramática não é um super filme, mas promete um tempo agradável para os espectadores.