Delson Uchôa contrapõe o colorido artificial das sombrinhas made in China à aridez do Nordeste
Legenda: Bicho da Seda V, da série homônima exibida por Delson Uchôa em Curitiba
Uma miríade de cores invade a árida paisagem nordestina. O contraste entre a artificialidade multicor das sombrinhas chinesas e o entorno de pedra é apenas aparentemente paradoxal: de forma delicada, desvela a cadeia da exploração do trabalho que liga esses dois universos quase antípodas. É esse o subtexto das 10 fotografias e 14 pinturas que chegam a 8 metros que o alagoano Delson Uchôa exibe a partir do dia 13 de junho (quinta-feira) nas galerias SIM e Simões de Assis, em Curitiba. Pertencentes à mesma família e funcionando lado a lado, é a primeira vez que ambas galerias fazem uma exposição conjunta.
O enlace se deu na apropriação pelo artista da visão, comum no Nordeste, de uma família passeando com suas sombrinhas em riste, a se proteger do sol. Se o astro de luz inclemente poupa com tal artifício a pele das gentes, também explode as cores surreais dos tecidos sintéticos que parecem não pertencer ao local. E de fato vêm de muito longe, made in China, fruto amargo de uma cadeia exploratória de outras gentes, que acabam assim se igualando aos também explorados daqui, munidos dos artefatos cúmplices da pior face do capitalismo global, sem se dar conta de que pagam tão barato pelo artefato pela mesma razão que ganham pouco em seus trabalhos.
Nas fotos de Uchôa, as sombrinhas surgem em arco-íris dispostos contra a natureza inclemente do semi-árido nordestino, multiplicando suas imagens em pequenas poças, emprestando à rocha uma delicada poesia que parece querer inverter essa origem inglória. “Ele reconecta paisagens humanas com esse trabalho”, disse em entrevista à seLecT Cristiana Tejo, pesquisadora de arte que há 14 anos acompanha o trabalho de Uchôa e escreveu o texto do catálogo da mostra. Nas palavras do artista, essa mescla do artificial ao meio ambiente duro da seca forma “paisagens transgênicas”.
“Há sempre uma questão narrativa e discursiva nos trabalhos dele, então sempre me apego mais às histórias que são o pano de fundo”, explica Tejo. Não que falte a Delson Uchôa uma plasticidade contundente: seus trabalhos em geral – e a série Bicho da Seda em particular – deleitam os olhos pelos contrastes de luz e cor e efeitos pictóricos. O que Cristiana Tejo deixa transparecer é o caráter multidimensional, “com funcionalidade”, que é marca do artista.
Se essa é uma característica dos temas que o artista explora, também se faz presente nos materiais que utiliza. Tanto é que, nas pinturas, as sombrinhas aparecem dissecadas, transfiguradas de sua forma primitiva e seccionadas em mosaicos recobertos por tinta, evidenciando ou escondendo suas estampas florais baratas, mas, de qualquer modo, tornando outra a forma primitiva do guarda-chuva. O mesmo tecido de brilho e cor estriônicos, extraído do bicho da seda industrial que, antes de ser escravizado, escraviza, é subvertido em matéria-prima de arte, como forma de devolver alguma dignidade ao produto final de mãos quase escravas e, ao mesmo tempo, evidenciar com sutileza poética essa mesma cadeia cruel.
Segundo o pesquisador e fotógrafo Eder Chiodetto, autor do segundo texto do catálogo, “ecoam nessas telas de resina as estratégias pelas quais Delson Uchôa segue constituindo sua iconografia vigorosa, na busca do entendimento da universalidade do seu microcosmo, e da identidade de um lugar, pela metáfora da cor, da luz, da febre que transforma a cor-luz em vertigem”.
Delson Uchôa
Galeria Simões de Assis
Al. Dom Pedro II, 155, Batel, Curitiba, tel. 41.3232-2315
Galeria SIM
Al. Pres. Taunay, 130 A, Batel, Curitiba
até 20 de julho