Inaugurado em 1º de março de 2013, o Museu de Arte do Rio – MAR -, equipamento da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro instalado na região do Porto, está celebrando sete anos de funcionamento com alguma festa e o número de 3 milhões de visitantes. O aniversário também é oportunidade de reflexão: na quarta-feira (12), o seminário #MARé, com três painéis de debate entre 13h e 20h, lotou o auditório da instituição, levantando questões em torno da estrutura de funcionamento do complexo museu-escola, historiando sua atividade desde a abertura e discutindo a sustentabilidade dos modelos de financiamento no setor.
Em novembro de 2019, notícias do possível fechamento da instituição e da colocação do corpo funcional em aviso prévio pelo atraso dos repasses da Prefeitura ao Instituto Odeon, gestor do Museu, provocaram uma onda de protestos nas redes sociais e a criação do movimento #MARvive. Pairava sobre os atrasos a sombra de disputa do prefeito Marcelo Crivella com Fundação Roberto Marinho em torno dos contratos firmados na gestão anterior, de Eduardo Paes.

O repasse de R$ 451 mil em dezembro – parte dos R$ 2,1 milhões ainda devidos – amainou a crise. Pelos contratos de parceria, a Prefeitura arca com a manutenção do espaço e do corpo de funcionários e o gestor busca recursos para a programação. “Não estamos devendo nada relativo a 2019”, garantiu à seLecT a Gerente de Museus da Secretaria Municipal de Cultura, Heloisa Queiroz. Carlos Gradim, à frente do Instituto Odeon, aponta que o MAR no momento recebe 60% dos seus recursos da Prefeitura e capta os outros 40%.
Sendo um dos dois únicos equipamentos culturais da cidade regidos pelo regime de Organização Social – o outro é o vizinho Museu do Amanhã -, o assunto ganhou preponderância nas exposições de gestores públicos e privados, colaboradores e artistas. A percepção da OS como instrumento de gestão na cultura, ainda vista por parte da classe artística como “terceirização”, e a busca de fundos patrimoniais – endowment – que permitam segurança de longo prazo foram pontos focais nas conversas.
Anunciado para o painel de abertura, o Secretário de Cultura do Município, Adolfo Konder, enviou como representantes a subsecretária Roseli Duarte e a Gerente de Museus Heloisa Queiroz. Ao longo do dia, se sucederam no microfone pensadores e gestores da área cultural como Heloísa Buarque de Holanda, Ricardo Piquet (do IDG, gestora do Museu do Amanhã), Adriana Rattes (Secretária estadual de Cultura do RJ entre 2007 e 2014), Luciane Gorgulho (BNDES) e Marcelo Araújo (ex-Pinacoteca SP, atual presidente da Japan House São Paulo).

Os fluxos e refluxos das marés da instituição atravessaram os debates a partir da retrospectiva da instalação do museu-escola, em projeto capitaneado pelo curador Paulo Herkenhoff e desenvolvido em conjunto com a Fundação Roberto Marinho. “Herkenkoff dizia que ‘construir um museu é dar sentido ao mundo’, parafraseando o educador Paulo Freire, e que ‘a história só tem sentido se ela construir o presente’”, contou Deca Farroco, Gerente de Produção de Conteúdo da Fundação Roberto Marinho.
Arte, educação e comunidade
Tão relevante quanto o espaço museológico tradicional e suas curadorias desde então, a Escola do Olhar foi o tema inaugural do encontro – antes que o debate se ancorasse definitivamente nas questões da sustentabilidade financeira das instituições culturais. De fato, o conceito estrutural do MAR, nas palavras do gestor Carlos Gradim, reúne “os programas culturais, a educação, a constituição de acervo e integração com/da comunidade pelo programa Vizinhos do Mar”.
A ação integradora da proposta do MAR – a chamada “transversalidade”, com a comunidade local, alunos e professores – ganhou vida nos relatos de Janaina Mello, Gerente de Educação do MAR entre 2012 e 2018, de Heloisa Buarque de Holanda, que expôs a parceria do MAR com a sua Universidade das Quebradas e com Hugo Oliveira, da Galeria Providência, membro do programa Vizinhos do MAR. “Não existe hierarquia de saberes e agendas, mas uma articulação de vozes”, diz Janaína, citando jovens dançando o passinho nos pilotis do museu, grupos como o das Mulheres do Porto, o contato com a comunidade deficiente auditiva e, principalmente, com os moradores da área.
Hugo Oliveira, cria do Morro da Providência, lembrou que o espaço, quando pertencia à Marinha, era vetado para a comunidade. “Não podíamos nem andar de skate ali. Mas estou pensando pra frente: meu sonho é ter curadores saídos do morro”. O novo curador do MAR, Marcelo Campos – Evandro Salles saiu em novembro, na crise dos repasses – lançou mais uma metáfora oceânica ao chamar de “lastro” a integração arte-educação-comunidade. “Lastro é o extravasamento da água numa embarcação; do mesmo jeito, vamos além do lugar comum do que é um museu, dialogando fora dos compêndios, vivendo a porosidade, comissionando artistas, trocando com a comunidade local”. O acervo de 30 mil itens, aliás, inclui muitas obras de artistas de grande visibilidade, encomendadas ou doadas também por colecionadores e galeristas e é avaliado em R$ 150 milhões.
Recursos de longo prazo
No segundo painel da tarde, o desenho de um fundo patrimonial que garanta, através dos rendimentos, uma sustentabilidade de longo prazo, evitando a volátil relação com patrocinadores e com sucessões governamentais dominou a conversa. “Acaba de ser sancionada no Brasil a Lei dos Fundos Patrimoniais”, lembrou Luciane Gorgulho, Chefe do Departamento de Desenvolvimento Urbano, Cultura e Turismo do BNDES. “É esse o meio de escapar dos dois abismos na busca de recursos: de um lado a busca de patrocínio, do outro o dinheiro público direto, com a cultura se equilibrando no meio numa linha de malabarista”, descreveu. E avançou: “o doador privado existe, há muitos milionários no Brasil. Precisamos engajar nossas elites financeiras. Não somos um país pobre, somos um país desigual. Mas o doador quer ter certeza de que os recursos serão bem geridos e fiscalizados”.
Ricardo Piquet, do IDG/ Museu do Amanhã, no mesmo debate, descreveu a atual situação do museu vizinho – ponto fora da curva, já que a totalidade dos recursos de 2020 foi captada através de patrocínios por Lei de Incentivo. “Mas só prestamos contas a duas pessoas: Deus e todo mundo”, riu Piquet, repisando ainda que os “ataques ao incentivo cultural” são totalmente injustificados. “O incentivo fiscal concedido apenas para a indústria de refrigerantes é, sozinho, maior que todo o incentivo à cultura. E ninguém reclama”.
O terceiro painel historiou a transformação da gestão de cultura, nas falas de Carlos Gradim – à frente do Instituto Odeon -, de Marcelo Araújo (“sou um ardente defensor do modelo”, disse, detalhando a trajetória da rede de museus em São Paulo na área da captação) e Adriana Rattes, que fez um retrospecto cirúrgico das dificuldades de gestão na cultura, “especialmente depois de 1988, com a nova Constituição”.
Rattes trouxe da história recente a existência da administração indireta, que reunia fundações e autarquias. Na mudança de 1988, esses órgãos perderam ali seu caráter de autonomia. “A administração indireta era um modelo muito parecido com o da OS. Faziam parte da máquina pública mas tinham agilidade. Aí, aconteceu um engessamento de todas essas instituições debaixo do mesmo critério. São ideias louváveis de isonomia mas no dia a dia da cultura isso não funciona”. A ex-secretária lembrou ainda que o Rio foi o último estado a aderir ao modelo as organizações sociais e “isso foi aos trambolhões por diversos motivos, incluindo disputas partidárias. E havia, ainda há, uma grande confusão, atribuindo às OS a terceirização da cultura, o estado mínimo se retirando das atividades, e é o oposto. A OS se fundamenta na participação do poder público”.
A Prefeitura e o Conselho
Representando a Secretaria Municipal de Cultura, a Gerente de Museus Heloisa Queiroz conversou com a seLecT. “O Instituto Odeon foi nossa cobaia, lá em 2012, nas OS. Hoje, o MAR tem grande necessidade do dinheiro da Prefeitura, mas estamos apoiando a captação, inclusive com a Secretaria de Educação”. Ela se refere ao termo de parceria firmado há dez dias entre as Secretarias de Cultura e Educação, que coloca o investimento no MAR em 2020 no patamar inicial de R$ 8,5 milhões (metade para cada órgão). “O modelo de gestão por OS já deu certo, mas é hora de pensar em adaptações, inclusive junto aos órgãos de controle, para evitar a necessidade de prestações de contas diferentes para várias instâncias.”. Heloisa ainda considera que os protestos do ano passado tiveram um “lado bom”: “emerge o fato de que é um museu público, que o poder público teria que assumir e garantir manutenção, acervo, estrutura que pertencem a todos nós”.
A fala de Heloísa é secundada pela do presidente do Conselho do MAR, Luiz Chrisóstomo, em entrevista por e-mail à seLecT: “O MAR é o museu do pertencimento, aberto e que respira mudanças. Incluímos toda a diversidade social e participamos ativamente daquilo propomos, daquilo que ouvimos, daquilo que aprendemos”, ressalta, enfatizando a mão dupla que remete à proposta de relacionamento horizontal, e não vertical, entre instituição e sociedade. “Ele é uma ‘obra coletiva’ e a forma como as pessoas se relacionam com o MAR é contagiante”.
- Custo de construção (2012-13): 79,5 milhões de reais
- 15.000 metros quadrados de área construída
- 2.400 metros quadrados de área para exposições
- Público total: 3.045.198
- Público de pavilhão e participantes de atividades: 1.903.560
- Público circulante: 1.141.638,00
- Participantes das visitas educativas: 268.900 (175.221estudantes; 16.579 professores)
- Atividades desenvolvidas na Escola do Olhar: 93.539
- Pessoas atendidas pelo programa Vizinhos do MAR: 9.521
- Presença nos eventos da nossa programação cultural: 129.068 (sendo 55.103 no MAR de Música)
- Total de itens no acervo do MAR: 33.647 (Arquivístico: 7.389 / Bibliográfico: 17.651 /Museológico: 8.607)
- Exposições realizadas: 64
- Visitas ao site do MAR: 2.457.186
- Seguidores nas mídias sociais: 316.483