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Postado em 11/03/2013 - 3:25
Para que serve o curador?
Dez análises lúcidas e debochadas de artistas e curadores sobre o papel desse profissional no meio de arte contemporânea
Juliana Monachesi
Ilustração: Raul Aguiar

Tadeu Chiarelli, Diretor de Museu, Professor e Curador

“Para nada”. Seria essa a resposta, se eu levasse em conta a primeira impressão que me dá a leitura da pergunta. Ali, parece que o curador é um objeto, uma “coisa” que pode ou não ser usada; é o curador como uma mercadoria a mais do circuito de arte, do mercadão que ele se tornou. Nesse contexto, o curador não passa de um logo que chancela qualquer outra mercadoria, conferindo-lhe, quase sempre, um status não muito mais espesso do que uma nota de 1 real. Mas o curador pode ser o filtro entre a arte e o tal mercadão; o elemento que sublinha a real importância de determinados artistas, de determinadas obras. Aí, então, a resposta seria: “Serve muito”

Eduardo Srur, Artista e Agitador Cultural

Vejo o curador como um agente que intermedeia conceitos e negócios dentro do circuito da arte. A atual força de controle da arte nas mãos de curadores deve-se, em parte, à incapacidade de muitos artistas para construir diálogos claros e convincentes sobre seus próprios trabalhos e para negociar a produção no sistema. A minha trajetória sempre mostrou uma urgência no desenvolvimento e realização de obras visuais que se comunicam diretamente com o público e a cidade. E minhas exposições ocorrem em espaços não controlados pelo circuito artístico convencional. Dessa forma, abro uma possibilidade de caminho alternativa, em que a figura do curador não é necessária. Manter um relacionamento com os curadores é sempre bom, por serem intelectuais que ampliam o conhecimento, mas não devem ser vistos como figuras imprescindíveis no percurso de um artista e as convicções.

Rafael Campos Rocha, Artista e Quadrinista

O papel do curador, depois da fase personalista dos anos 1990, tem se diluído em verdadeiras comissões técnicas – como as dos grandes times e seleções de futebol – capazes de abranger leques muito maiores de manifestações culturais. Essa amplidão faz-se necessária justamente pela própria diluição da arte na cultura, que pode não somente flertar, impregnar-se ou citar, mas mesmo fazer as vezes de manifestações tão díspares como o showbiz ou a ciência aplicada, a etnografia ou o vandalismo.

Lisette Lagnado, Curadora do Panorama MAM 2013

Achei particularmente difícil responder, devido à formulação da pergunta: “Para que serve…?” Talvez devesse ser para quem. Aí, minha resposta seria direta: para os artistas e para o público. A curadoria no Brasil dispõe de uma narrativa que começou há pouco tempo. Se, nos fóruns internacionais, o debate alcança níveis sofisticados (discute-se o curador como artista, o curador-ativista, o curador-etnógrafo), no Brasil ainda vigora a ideia de que o curador ora justapõe obras disparatadas entre elas de forma arbitrária, ora tem “mão pesada”. São argumentos que depõem contra a competência intelectual do curador, sua capacidade de pesquisa e associações criativas, sua memória histórica e seu real engajamento com questões do presente.

Felipe Chaimovich, Diretor de Museu e Curador

O curador de arte constrói ciclos visuais reunindo obras independentes entre si, mas que passam a formar um conjunto por ocasião da curadoria. Esses ciclos visuais representam a interpretação do curador sobre um tema. Caso o tema aborde a história contemporânea, o curador colabora com a investigação sobre valores do presente, pois a contemporaneidade é definida como um período em desenvolvimento, logo é desprovida de valores definitivos; assim, a curadoria de arte contemporânea permite testar hipóteses sobre o presente por meio da reunião de obras de arte.

Nino Cais, Artista

O curador como semeador – “Outra parábola lhes propôs, dizendo: O reino dos céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo; mas, enquanto os homens dormiam, veio o inimigo dele, semeou o joio no meio do trigo e retirou-se. E, quando a erva cresceu e produziu fruto, apareceu também o joio. Então, vindo os servos do dono da casa, lhe disseram: Senhor, não semeastes boa semente no teu campo? Donde vem, pois, o joio? Ele, porém, lhes respondeu: Um inimigo fez isso. Mas os servos lhe perguntaram: Queres que vamos e arranquemos o joio? Não! Replicou ele, para que, ao separar o joio, não arranqueis também com ele o trigo. Deixai-os crescer juntos até à colheita e, no tempo da colheita, direi aos ceifeiros: ajuntai primeiro o joio, atai-o em feixes para ser queimado; mas o trigo, recolhei-o no meu celeiro”. (Fonte: Mateus, 13)

Kika Nicolela, Artista e Cineasta

A palavra “curador” vem do latim curare, que significa algo como “aquele que cuida”. Por um lado, talvez o curador tenha essa função de cuidar de uma exposição ou de uma coleção institucional, ou até de cuidar das obras e dos artistas. Mas o mais importante, a meu ver, é a capacidade (dos bons curadores…) de realmente entender e apreender o que há de mais relevante num determinado contexto e num determinado momento, e de articular isso sob a forma de exposição de arte.

Fernando Velazquez, Artista e Curador

Para articular conhecimentos específicos, fruto de uma pesquisa séria e aprofundada sobre um assunto qualquer. Conhecimentos que promovam, mobilizem e/ou questionem o já conhecido, em prol de novas perspectivas que expandam a nossa consciência de mundo.

Gustavo Rezende, Artista e Professor

Acho que o curador atua em diversas frentes, e funciona ao mesmo tempo como um radar, ligado à produção dos artistas, possibilitando uma visibilidade para essa produção. Pode atuar junto a instituições, feiras etc., pode ter um olhar mais ou menos conservador sobre essa mesma produção, assim como abrir espaços de discussão. É lógico que, ao mesmo tempo em que inclui, pode excluir. Também pode ser uma figura com um olhar especializado, ou muito imperativo, querendo ser artista ou defendendo que não há diferença entre uma coisa e outra, ou ainda um ativista. Os curadores, quanto mais diversificados e autônomos forem, melhor, porque isso democratiza; e são importantes dentro do sistema da arte, o que inclui o próprio mercado.

XICLET, artista e diretora de galeria independente

Curador serve para organizar o que já está organizado na cabeça dele. Organizar o que esta organizado é fácil; quero ver desorganizar o que está organizado. Queria muito ver alguns curadores se organizarem assim, de supetão criarem um percurso dentro daquilo que surge (sem regras, sem limites). Eles, ao contrário, criam um viés e depois vão escolhendo obras e artistas de acordo com seus temas. Eu não (até dou o tema mas ninguém precisa seguir). Se o curador é um organizador, minha mãe (Iodália Matos Duarte) também é curadora, pois organiza e administra a casa dela muito melhor do que já vi muitos curadores por aí fazer.

*Publicado originalmente na seLecT #10.