O projeto prospectivo de experimentação com vídeo, implantado por Walter Zanini no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP), em 1977, teria seu equivalente hoje se uma instituição museológica se dispusesse a lançar um espaço de pesquisa de ponta em arte digital. Embora esse ímpeto pioneiro tenha despontado no LabMis – um laboratório público destinado à pesquisa e criação em novas mídias –, na gestão de Daniela Bousso à frente do Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS), em 2008, é triste reconhecer que o nosso sistema institucional não estava preparado para atender aos terrenos mais arriscados da arte contemporânea. O programa anual, que atendia à necessidade de políticas públicas no campo da produção artística, foi simplesmente desmantelado em um cabo de forças político. “Comparar o Paço e o MIS com qualquer outra instituição é não levar em conta que, ao assumirem posturas francamente prospectivas no campo da arte, essas instituições jamais terão resultados imediatos de público”, declarou na época o crítico Tadeu Chiarelli, então diretor do MAC USP.
Enquanto o apoio institucional a estes campos de estudo desafiadores e desconhecidos permanece como horizonte a ser navegado, voltemos aos arquivos que iluminam a história da arte contemporânea brasileira. A exposição on-line Vídeo_MAC é esse lugar. Com curadoria de Roberto Moreira S. Cruz, a mostra resgata um acervo de vídeos de artistas que atuaram no museu entre 1977 e 1978. Após décadas extraviado, o material foi localizado pela artista Regina Silveira e a pesquisadora Cristina Freire no acervo do MIS, sem a devida indexação, e devolvido ao MAC USP em 2013. No site do museu estão veiculados 18 trabalhos desse raro conjunto, que hoje integra a pesquisa de pós-doutorado de Moreira S. Cruz.
Grande parte das experiências com novas mídias, nos anos 1970, passava pela desconstrução da mensagem televisiva, emitida pelo meio de comunicação de massa por excelência do momento. A possibilidade de reação a um meio tão impositivo como a televisão era algo que cabia como luva ao crivo crítico dos artistas que experimentavam as linguagens. Em Sem título (1977), Carmela Gross revela sua faceta media artist ao desenhar com pincel uma grade visual sobre uma tela de tevê que transmite um programa de entrevistas típico da programação matinal, até cobri-la por completo com uma tarja preta. O apagamento do conteúdo televisivo é também o dispositivo de um dos vídeos de Julio Plaza, que, após exibir uma tela de tevê com o título do trabalho, Descanso 3’ (1978), corta para uma tela escura, sem nenhuma imagem, durante três minutos. Em Artifício (1977), Regina Silveira promove a desconstrução paulatina da palavra-título, ao remover as fitas adesivas sobre as quais estava escrita. Embora o trabalho não opere diretamente sobre a tela, ao produzir o desaparecimento da imagem em linhas horizontais, ele produz um comentário sobre o modo como a imagem era magneticamente construída nas televisões de tubo.
As sobreposições de linguagens são premissas entre os artistas que trabalharam no laboratório de Zanini. Caso de Reviver (1978), de Donato Ferrari, que integra recursos do cinema (no movimento de câmera do primeiro plano sequência, nada usual nos primórdios do vídeo), da fotografia, da poesia visual e da publicação (ao brincar com o texto com tipografia sobre lâminas de acetato). E também de Videologia (1978), de Regina Silveira, que faz dialogar o vídeo e a gravura – ao registrar o processo de revelação de uma imagem em uma chapa de off-set. O objeto revelado, uma arma de fogo, anunciava a temática cortante de Regina Silveira. Emblemático do espírito experimental de toda uma época, O Circo (1977), de José Roberto Aguilar, é um elogio do risco e um convite aos telespectadores passivos das telas de tubo catódico a abandonarem suas zonas de conforto. “Se fazer as coisas no risco é ser importante, então quero ser importante”, diz o palhaço de Aguilar. “A alegria do palhaço é ver o circo pegar fogo.”
Serviço
Vídeo_MAC
MAC USP
Exposição permanente
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