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Postado em 08/06/2012 - 12:10
Passinho do menor
Marcus Vinícius Faustini

Mochilas falantes e bonés com caixas de som invadem performaticamente esquinas e recreios. É a conquista do território pela linguagem

Favela

Legenda: A potente conexão entre território, jovens e cultura digital em algumas favelas cariocas traz um vento que abre brechas e forja novos movimentos do pensamento, expressão e possibilidades de existência (Foto: Bruno Itan)

Nos estudos culturais e representações estéticas sobre favelas, frequentemente esta é vista sob o ponto de vista de “o outro lado do mundo, aquela que não faz parte da cidade, aquele lugar carente, mas de pureza fundante da civilização, com combinação explosiva de caos e alegria”. Ou até mesmo como “um lugar que não se relaciona com os melhores atravessamentos do mundo contemporâneo, porém folclórico e ao qual devemos levar processos civilizatórios”. 

Apesar de esse núcleo duro de pensamento ter virado senso comum até mesmo nas rodas de bar mais esclarecidas, um delicado atravessamento vem inventando um novo lugar que pode embaralhar as visões. A potente conexão entre território, jovens e cultura digital em algumas favelas cariocas traz um vento que abre brechas e forja novos movimentos do pensamento, expressão e possibilidades de existência.

Num primeiro momento, as lan houses, com seus games e possibilidade de acesso ao Orkut, dispararam capacidades expressivas desses jovens em avatares e leituras visuais com montagens de fotos. Entretanto, a intimidade desses sujeitos com as máquinas expressivas da cultura digital vai além e tem produzido potência estética em diversas operações de espaço/tempo que eram vistas apenas como identidades de um modo fixo de viver.

Um bom exemplo disso é o Passinho do Menor. Os jovens filmam suas danças na rua, corredores, quintais, na frente das lans e colocam os vídeos no YouTube, onde recebem acessos expressivos. Misturando frevo com funk, os pequenos vídeos desorganizam a ideia de centro do discurso imagético. Ali temos, ao mesmo tempo, intervenção no território, videodança, apropriação tecnológica e diversas outras categorias que asseguram atualidade diante dos arautos da distinção.

A potência dessa expressão vem aproximando esses jovens performáticos de artistas contemporâneos, agitadores culturais e também da indústria do entretenimento, que percebem na Batalha do Passinho (rodas de disputas de danças realizadas pelos jovens na cidade) uma possibilidade de modulação dessa invenção como produto.

A notícia boa é que, mesmo lentamente, essas e outras novidades operadas pela juventude das favelas estão tirando-a do lugar clássico de eterna aprendiz das artes e ofícios, defendido ainda por algumas cabeças preguiçosas. Apesar de serem considerados atores sociais inorgânicos, esses jovens vêm mostrando possibilidades de intensidade e expansão da cultura, nessa relação com o mundo digital. Agora são as mochilas falantes e os bonés com caixas de som que invadem performaticamente esquinas e recreios. É a linguagem interferindo na vida e no território.

Marcus Vinícius Faustini é autor do Guia Afetivo da Perferia e coordena a Agencia de Redes para Juventude.

*Publicado originalmente na edição impressa #5.

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