A relação entre arte contemporânea e patrimônio urbano – mediada ou não pela especulação imobiliária – é cada vez mais recorrente. Projetos como o realizado na antiga região de mineração do Ruhr na Alemanha, hoje um complexo museológico e turístico, ou o Faena Arts Center, em Puerto Madero (Buenos Aires), um empreendimento que envolve hotel de luxo, projeto imobiliário e laboratório de experimentação artística, são bons exemplos desse fenômeno. Com especificidades locais inequívocas, esses projetos se inserem em uma intrincada rede de tendências globais ligadas ao investimento nas chamadas indústrias criativas, por um lado, e nas políticas da memória, por outro.
Esse modelo chegou com tudo em São Paulo e seu endereço é o antigo Hospital Umberto I, onde acontece até 12 de outubro a exposição Made by… Feito Por Brasileiros. Centenário e fechado há mais de 20 anos, o hospital foi ocupado por mais de cem artistas. Anunciada como “invasão criativa”, essa ocupação cumpre a função de rito de passagem entre a fase histórica da ruína (localizada no seu passado) e o futuro enigmaticamente criativo que virá em breve.
Apesar de a definição de ruínas ser fruto de um certo exagero midiático, compreende-se que isso aconteça em uma cidade como São Paulo. Afinal, onde prédios são derrubados a rodo desde sempre, a noção de passado parece não existir e um imóvel de 1903 ganha uma perspectiva de tempo longínquo que dificilmente teria em qualquer outro lugar do mundo. Para além do fenômeno paulistano, é importante frisar que se vive mundialmente uma verdadeira febre das ruínas, como definiu o crítico Andreas Huyssen, da Columbia University. Não por acaso, essa coqueluche se volta para espaços da modernidade industrial, como o próprio Hospital Matarazzo. Esse tipo de espaço parece trazer consigo “uma promessa que desapareceu de nossa era”, diz Huyssen, “a promessa de um futuro alternativo”.
O que se encontra ali, contudo, é uma situação de um espaço previamente domesticado, seguranças de preto e radinho na mão, comme il faut, pichações estilizadas e poeira contida. Ruínas cosméticas e apaziguadas em meio às quais algumas obras se sobressaem e outras se atrofiam diante da potência do espaço.
Destaque especial para a obra de Artur Lescher, que das entranhas do prédio, da cidade e do mais profundo da Terra parece ecoar uma outra história.
*Crítica publicada originalmente na edição #20