
O Projeto Ideal começou a ser gestado em 2007, quando os artistas Albano Afonso (Brasil) e Patrick Hamilton (Chile) se conheceram na Mostra Vento Sul (em Curitiba) e resolveram realizar uma exposição de intercâmbio latino-americano, para levar a vários países da América Latina. Antes de ser apresentado em São Paulo reunindo elenco de dez nomes, o projeto foi exibido no Museu de Arte Contemporânea de Santiago do Chile, em 2010. Quem conta é Sandra Cinto (Brasil), que exibe obras que idealizam e internalizam o mar intercontinental. “Queríamos fazer uma mostra que pudesse viajar e tivesse baixo custo, visto que seria organizada pelos próprios artistas, sem captação de recursos nem curadoria.Um dos objetivos de Projeto Ideal é mostrar que é possível fazer uma exposição com colegas de trajetória internacional sem que sejam necessárias cifras exorbitantes.”
Mas não há intenção de criticar esse tipo de exposição, esclarece ela. “Simplesmente entendemos que também é possível trabalhar com poucos recursos.” Se a ideia era mesmo que cada participante discutisse em suas obras aquilo que entende por ideal, então todos se aferraram à negatividade do termo. Ou quase todos. O peruano Jota Castro, com sua depredação de ícones, aponta uma interpretação positiva do conceito: um mundo que não cultuasse seus governantes, filósofos, escritores e músicos. Afonso também aponta um ideal, ao mapear e decompor um céu de verão. Na maioria das obras, entretanto, o assunto é visto por sua antítese. O cubano Carlos Garaicoa denuncia a cultura de erguer muros para segregar o outro. A guatemalteca Regina Galindo trata da violência dos mecanismos de limpeza social. Porém, se o ideal do título não é temático e se refere mesmo à maneira como o projeto foi desenvolvido – cuja única regra organizativa era que cada convidado convidasse o seguinte –, então estamos em terreno mais fértil. Entendido assim, o Projeto Ideal atende à necessidade inadiável de os artistas latino-americanos se frequentarem mais e reinventarem juntos os circuitosde diálogo entre países tão próximos e tão distantes.
É bom para a arte brasileira ter visibilidade nos Estados Unidos e na Europa – isso nem se discute –, mas é ainda melhor começar a vê-la visitar nossos países vizinhos, como é o caso desta exposição, que também traz obras de Dario Escobar (Guatemala), José Falconi (Peru) e José Rufino (Brasil). Para Hamilton, “o conceito de ideal foi pensado de maneira irônica, mostrando as contradições dos modelos econômicos ideais, cidades ideais e mundos ideais. Por isso, foi entendido de uma perspectiva muito ampla, afastada de visões complacentes”. Ele justifica que, “para as visões complacentes, existe o mundo da publicidade”. Com esse ideário em mente, o artista chileno transforma ferros pontiagudos de proteção, utilizados no alto dos muros, em sofisticados objetos de parede (Composição com Diamante, 2011).
Nas suas colagens, edifícios corporativos da cidade de Santiago são embrulhados para se tornar monumentos kitsch ao neoliberalismo chileno. O espanhol Santiago Sierra destoa do conjunto com seu Los Anarquistas (2006), registro em vídeo de uma ação em que um grupo de oito anarquistas militantes recebeu 100 euros (cada participante) para escutar a Missa do Galo em uma madrugada natalina. O conflito ideológico-religioso posto em evidência na obra combina mais com a Europa – palco de conflitos e intolerâncias intermináveis – do que com o nosso sincrético continente, onde não seria tormento algum para um anarquista ouvir o papa celebrando o nascimento de Cristo. É possível até que alguns deles, anarquistas graças a Deus, façam isso com regularidade. Muitas outras obras de Sierra conversariam melhor com o cenário latino-americano do que essa. Sua questão primordial é a exploração do homem pelo homem, a contradição moral e os paradoxos da constituição do valor (econômico, social, estético), assuntos constantes em todos os tempos e geografias deste continente