A ideia de um “pensamento insubordinado” orienta a curadoria do espanhol Angel Calvo para a apresentação da trajetória de seis décadas do artista goiano Siron Franco, no MAC Goiás e na recém-inaugurada Cerrado Galeria, em Goiânia. Composto majoritariamente de pinturas, o projeto expositivo dividido nos dois espaços revela que o pensamento ativista e as preocupações socioambientais que o artista desenvolveu em instalações e ações políticas têm origem no ambiente pictórico.
De caráter retrospectivo e organização cronológica, a mostra no MAC Goiás incide um olhar original sobre o corpo de trabalhos de Siron ao situar o início de sua trajetória não nos retratos que ele começou pintando de personagens da Cidade de Goiás, onde nasceu, mas em um peculiar conjunto de desenhos, apresentados pela primeira vez na II Bienal da Bahia, em 1968. Intitulados A Era das Máquinas (1968), os desenhos trazem camadas de imagens e acontecimentos que inquietavam o jovem artista. Remissões aos seriados futuristas que assistia pela televisão, a corrida espacial, a Guerra Fria, a Guerra do Vietnã, os movimentos pacifistas e a ditadura brasileira articulam-se em engrenagens visuais com certa dose de lisergia, resultando em composições que sugerem o funcionamento cerebral do artista.
Os conjuntos Fábulas do Horror (1975), O Curral (1989) e Peles (1990), que se seguem, trazem à tona o artista-jornalista que soube irradiar em relatos visuais, por meio das grandes emissoras de tevê e dos principais jornais do país, as notícias de uma guerra ambiental – travada entre os saberes das populações tradicionais e o poder econômico das oligarquias rurais – que acontece no Centro-Oeste brasileiro desde a corrida do ouro até as atuais monoculturas agrícolas. Há que se destacar como a natureza ameaçada do Cerrado vai ganhando terreno na obra do artista ao longo dos anos. Na série Césio 137 (1987), um dos momentos mais sonoros de sua carreira, que chama atenção para o acidente radioativo ocorrido em Goiânia, Siron Franco usa o solo do Cerrado como matéria pictórica: a terra refinada como pigmento.
No segundo andar do MAC Goiás, o trajeto ganha densidade dramática com a visão da totalidade da série de desenhos Rua 57 (1987), que pode ser interpretada como a “obra de arte total” de Siron Franco. A potência dessa série, que produz uma crônica do desastre radioativo, parece residir no fato de os desenhos articularem recursos expressivos de várias fases da carreira, de décadas anteriores e dos anos que ainda estariam por vir. É uma revelação.
Outro momento alto, que beira a epifania, é a apresentação de Guernica 1964 (1981), interpretação da pintura de Pablo Picasso realizada para uma exposição na Funarte, no Rio. Em paralelo ao retrato do bombardeio que destruiu a cidade espanhola em 1937, Siron representa o genocídio dos povos indígenas brasileiros em uma obra que foi considerada pelo crítico Frederico Moraes, curador da exposição, “um divisor de águas” na pintura do artista. Complementar à retrospectiva no MAC Goiás, a exposição na Cerrado Galeria apresenta um conjunto de trabalhos recentes.
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SERVIÇO
Siron Franco
Até 5/6
Cerrado Galeria,
Rua 84, 61 – St. Sul
Pensamento Insubordinado – Trabalhos 1961-2023
Até 5/8
Museu de Arte Contemporânea de Goiás
Centro Cultural Oscar Niemeyer