“A África é sempre retratada como um lugar de pobreza, violência e guerras. Eu queria escrever a mais linda história de amor ambientada ali, para que as pessoas saibam que a África e, em particular, o Senegal são muito mais complexos que isso.” A jovem escritora e cineasta Ramata-Toulaye Sy apresenta assim seu longa de estreia, Banel & Adama (2023), em evento de divulgação do filme e de sua participação no II Programa HOA de Residência Artística Internacional. Seu filme faz uso de uma estética pictórica, em que a saturação das cores – das roupas, das paisagens – acentua o jogo entre magia e delírio que marca sua narrativa sobre amor.
Em uma mesa de debate na Cinemateca Brasileira, acompanhada pela artista e fundadora da HOA, Igi Lola Ayedun, e pela jornalista Luanda Vieira como mediadora, Toulaye Sy conta que se formou em cinema para atuar como roteirista e que sua grande paixão é a escrita. No entanto, uma obsessão por pensar a noção de mulheridade levou-a a fazer esse filme. “O que significa ser uma mulher? O que significa ser uma mulher negra? O que significa ser uma mulher negra neste planeta? São questões que persigo.”
Banel & Adama foi filmado em um vilarejo no Senegal em língua fula, com atores não profissionais. “Não foi realmente uma opção”, segundo a diretora, apenas o contexto do lugar, que não tem cinema nem atores. A interpretação de Banel, uma jovem tempestuosa que anda sempre com um estilingue e responde a qualquer admoestação com língua ferina, é bastante convincente em função da atriz Khady Mane.
Banel e Adama (Mamadou Diallo) são apaixonados desde a adolescência, mas quis a tradição que ela se casasse com Yero, irmão mais velho de Adama. Quando Yero morre, o irmão mais novo se casa com a viúva, também em honra às tradições. Os conflitos começam quando Adama declina da obrigação de assumir o lugar do irmão também como chefe da comunidade. À recusa segue-se uma temporada de seca que vitima todo o gado, tragédia que os moradores atribuem à quebra da linha sucessória. Na primeira parte do longa, vemos o casal pastoreando o gado alegremente e terminando a jornada de trabalho ao lado de uma montanha de areia, que eles cavam com afinco, trocando ideias oníricas sobre o futuro a dois na casa soterrada por uma tempestade de areia que estão a desenterrar. Na segunda parte, já não trabalham lado a lado, e os costumes ancestrais parecem avolumar-se no espírito de Adama.
Laureado com a exibição em Cannes, Ramata-Toulaye Sy era a única cineasta estreante na lista competitiva. Na apresentação do filme na Cinemateca, Igi Lola Ayedun responde a uma questão da jornalista Luanda Vieira sobre o rótulo de “primeira galeria brasileira dirigida por uma mulher negra”, comentando que, no início, gostava do epíteto: “Nos dois primeiros anos, era legal ser a primeira galerista negra, mas, no terceiro, comecei a achar ruim, porque já deveria ter mais gente fazendo isso, mas nada tinha mudado”. Em seguida, encaminha a fala de volta ao filme: “Agora precisamos ser humanos e poder falar sobre coisas humanas, como o amor”.