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On Translation: Comemorações Urbanas (1998-2002), de Antoni Muntadas em colaboração com Paula Santoro, é um projeto de intervenção realizado para o Arte Cidade Zona Leste, que consiste em dez placas de bronze remetendo a insignias comemorativas celebrando obras urbanas que motivaram a perda identitária e a ruína dos locais [Foto: Cortesia do artista]
Postado em 18/12/2024 - 7:13
Público? Espaço e comunidade

PÚBLICO É UM TERMO QUE TEM DOIS SIGNIFICADOS. O PRIMEIRO, DE ESPAÇO COMUM, COMPARTILHADO; O SEGUNDO REFERE-SE A UM GRUPO DE ESPECTADORES QUE ASSISTE A UM EVENTO. Minha intenção é propor perguntas e reflexões em relação ao espaço público. Antes de tudo, cabe frisar a diferença entre arte no espaço público e arte pública, as quais, aparentemente, têm significados semelhantes. Mas, se a arte pública é uma condição na qual o artista intervém em um determinado contexto urbano e social com uma obra especificamente projetada para a comunidade que a hospeda, a arte no espaço público indica aquelas obras que são instaladas e usufruídas no espaço urbano, sem necessariamente estar ligadas ao contexto.

DÓLMEN/MENHIR/TOTEM/REWE

Dou um passo atrás e proponho algumas referências históricas, ou melhor, pré-históricas. Essas construções que frequentemente não consideramos porque as confinamos em um âmbito arqueológico, nos permitem, todavia, pensar o que entendemos quando falamos de espaço público: que dimensões sociais tiveram? Quem as criou? Com qual intento comunitário?

O totem tem um senso comum, um sentido que lhe é atribuído pela comunidade, tem um valor espiritual e religioso no qual a sua comunidade se reconheceu. O totem é um valor transmitido através da iconografia, um elemento recorrente em muitos países, como, por exemplo, no Chile, os REWE foram uma forma de comunicação fortemente ligada à sua comunidade.

O AUTOR COMO COLABORADOR

Este preâmbulo serve para introduzir a questão do artista que, sob o disfarce de colaborar com a história, sempre esteve envolvido em um diálogo que se desenvolveu ao longo de um tempo amplo. O artista criava uma obra em relação à sua realidade contemporânea e juntava as preocupações e os desejos de uma certa comunidade. Isto se deu antes que as cortes e a Igreja se tornassem os principais contratantes. Isto é, teoricamente, aquilo que o artista fez no passado, mas, na prática, não é aquilo que nós, como artistas, fazemos hoje. Hoje, o artista dificilmente consegue conviver dentro de uma comunidade, colaborando e trabalhando junto dela. Idealmente, o autor teria essa vontade, mas, frequentemente, não dispõe do tempo necessário para se integrar profundamente. Nós temos outros ritmos e outras metodologias de trabalho que, frequentemente, nos levam a elaborar contemporaneamente diferentes projetos. Essa reflexão é, em certo sentido, uma autocrítica aos artistas que, como eu, têm trabalhos no espaço público. Partindo de uma reflexão teórica, tentamos transcorrer algum tempo em uma comunidade, não para fazer totens, mas para criar iconografias e significados que representem essa comunidade e que sejam capazes de coexistir com ela. 

MONUMENTO/PERMANENTE

Nos últimos dois séculos, houve uma certa predisposição à edificação de monumentos. Homens do poder, poetas ou pessoas ilustres são alguns exemplos daqueles que definem a atividade do artista no espaço público. Os monumentos são permanentes e quase sempre sustentados por um pedestal que eleva os conteúdos sobre um plano físico e simbólico. Eles são uma representação do poder.

ANTIMONUMENTO/ PERMANENTE

No fim do século 19, com August Rodin e Les Bourgeois de Calais, o pedestal desaparece e começa a nascer aquilo que chamo de antimonumento, porém, é somente a partir dos anos 1960 que paradigmas são questionados. O antimonumento é frequentemente ligado a uma prática minimalista e conceitual e podemos, entre outros, trazer o exemplo de Alexander Calder, Claes Oldemburg e Richard Serra. Contudo, penso que o problema do antimonumento reside na sua permanência, que faz com que a comunidade que o recebe sofra uma imposição, um gesto de autoridade. Um cliente, que pode ser uma instituição ou uma empresa, chama um artista e arca com os custos de produção, sem prever um confronto com o contexto e a coletividade. O público deve tolerar a presença da obra permanente sem se manifestar. 

ESPAÇO PÚBLICO

A partir disso me pergunto: como é o espaço público hoje? Respondo: o espaço público hoje é um espaço perdido. 

VIGILÂNCIA

O espaço público é um lugar de vigilância. A presença de inúmeras câmeras nos dá a ilusão de viver em segurança, mas, ao mesmo tempo, nos obrigada a viver juntos em um espaço permanentemente sob controle. Isso impede que o espaço público seja um local de liberdade.

ESPAÇO CORPORATIVO

Aquilo que resta do espaço público torna-se, frequentemente, espaço corporativo. Um espaço no qual o público é vinculado a interesses econômicos. 

GENTRIFICAÇÃO

Dentro desse espaço de vigilância e desse espaço corporativo, quais são as possibilidades de intervenção do artista? Como podemos operar em um contexto em que a maioria dos interesses envolve planos de gentrificação, nos quais o valor cultural de um território é interdependente de seu valor econômico? 

INTERVENÇÃO TEMPORÁRIA

A dificuldade de intervir num espaço público vigiado e corporativo leva à possibilidade de propor uma intervenção. Uma intervenção consiste em inserir no espaço público uma obra de interesse artístico e cultural que não seja permanente, mas, pelo contrário, temporária. Por temporária entendo que poderia ficar instalada por três meses, dez ou 15 anos, mas com um prazo previsto.

COMUNIDADE/DIÁLOGO A LONGO PRAZO

Evidentemente, no caso de consistentes esforços projetuais e econômicos para a produção de uma obra, ela não poderá ser abandonada depois de uma semana. Pode-se, porém, fazer um acordo que preveja um prazo, um arco de tempo definido, depois do qual se abrirá um diálogo a longo prazo com a comunidade que hospeda a intervenção. Isto não significa que a comunidade decidirá sozinha o futuro da obra.

ACORDO/CONTRATO

A possibilidade de instaurar um diálogo a longo prazo com as comunidades relacionadas poderia ser aplicada também ao monumento ou ao antimonumento, porém, no caso de uma intervenção, isto é ainda mais importante.

A IMPORTÂNCIA DO ACORDO (AUTOR, COMUNIDADE, CONTRATANTE)

É necessário dar a possibilidade ao autor, à comunidade e ao contratante que se faça um acordo no qual se defina que: passado um determinado tempo se deva avaliar o que aconteceu e se deva definir o futuro da obra. Nesse processo, tem um papel importante, não somente a voz da comunidade, mas também a do artista. Deve-se garantir ao autor a possibilidade de decidir prolongar ou reduzir a permanência da obra, por exemplo, em casos nos quais o território tenha mudado drasticamente, devido à urbanização ou, na eventualidade de deterioração, devido à falta de manutenção. 

MANUTENÇÃO E DIÁLOGO PARA UMA POSSÍVEL EXTENSÃO

É importante instituir um diálogo entre quem cria a obra e a comunidade que a recebe. Não falo de forma abstrata, mas baseado em situações em que me vi propondo intervenções no espaço público, fechando acordos de diálogo de longo prazo. Com o passar dos anos, a comunidade muda, as autoridades mudam, o cenário torna-se imprevisível, o que torna difícil, ou totalmente inviável, manter as coisas ao longo do tempo, partindo de uma ideia de permanência.