Na nossa seção Obituário, realizamos um adeus muito saudoso ao hábito -falecido nos fins do século passado- que chamávamos de Privacidade.
Em Spio (imagem acima), de Lucas Bambozzi, robô construído com câmera de vigilância e aspirador de pó, capta imagens do público e transmite, em tempo real, para telão e internet.
Nina Gazire
Privacidade, tradicionalmente, é definida como a capacidade de controlar a exposição pessoal e o poder de se manter anônimo. Em tempos de câmeras de vigilância ubíquas, rastreamento via satélite, GPS e redes sociais como o Foursquare, em que o usuário informa via celular sua localização de forma pública, a privacidade, na sua definição tradicional, perdeu o sentido. Seus últimos suspiros se deram quando, já em estado terminal, ela padeceu com a popularização das redes de computadores e os telefones celulares, em meados dos anos 1990. Há quem diga que seu espírito ainda vaga por aí. Dizem que o que restou dela, assim como se fosse alma penada em eterna danação, foi o poder de revelar-se seletivamente ao mundo.
Poder herdado por 200 milhões de pessoas no Twitter, outros 600 milhões presentes no Facebook e tantos milhões por aí, nas demais redes sociais. Essas redes são a máscara mortuária da falecida privacidade. Seus usuários, os responsáveis pela transformação da privacidade em encosto. Encosto é alma que, na qualidade de penada, anda entre os vivos, abusando de sua invisibilidade, para incomodá-los sem que se saiba a causa do incômodo. Ela é essa ilusão de que cada um controla e expõe seus dados e imagens da forma que quiser na internet. A privacidade morreu no fim do século passado. Mas reencarnou no seguinte sob a forma de superexposição.