Quem inventou a história da arte? Movida por esta indagação, Rita GT graduou-se em artes na cidade natal do Porto, arrumou as malas e foi para Berlim, em busca da raiz do pensamento eurocêntrico. “Aqui sinto mais forte o que é ser formada por um pensamento eurocentrado. Gosto de sentir o peso da arte europeia”, escreveu em seu blog, em setembro de 2008. A resposta foi sendo aos poucos elaborada por ela mesma, então autêntica artista europeia, em trabalhos de performance documentados em vídeo ou fotografia, como Performance in Eurocentric Museum (2009). Dessas imagens, em que literalmente navega diante de clássicos da pintura renascentista, até a série Fall, Action nº 1 (2013), realizada em Luanda, e até que Rita GT viesse a se tornar a produtora do Pavilhão de Angola na Bienal de Veneza (2015), passaram-se poucos anos, mas muitas páginas de histórias tiveram de ser rasuradas e reescritas.
Continuando sua formação na Suécia e enveredando em estudos pós-coloniais, ela não demorou a compreender que a invenção da história da arte remonta à invenção da instituição museu, no século 19.

“Tempos em que colonizadores enviavam etnógrafos a países colonizados em missão de trazerem para o Ocidente todos os tipos de peças de arte exótica. Foi a partir da etnografia clássica que a cultura ocidental adquiriu a ideia de arcaico, cerimônias e rituais de outras sociedades, sendo reconstruída a ideia vaga de até então, sobre o ‘outro’”, anotou ela no texto que hoje funciona como um statement de sua prática artística.
Autodefinindo-se como ativista feminista e militante cultural em prol da arte contemporânea africana e da diáspora, Rita GT viveu os últimos cinco anos em Luanda, capital de Angola. “Ser mulher, branca e portuguesa, em Luanda, não é propriamente o melhor currículo”, ri. Mas sua experiência local foi melhor que a encomenda. Lá coordenou o E-studio Luanda, projeto colaborativo com quatro artistas contemporâneos locais, entre eles António Ole, Nelo Teixeira e Francisco Vidal. “O objetivo era uma tomada de consciência da importância do trabalho colaborativo, de que existe um movimento de arte contemporânea angolana e a promoção de exposições, workshops e serviço educativo em Angola”, diz RitaGT à seLecT.
Com Francisco Vidal (português, filho de angolano e cabo-verdiana), ela teve um filho, e realizou trabalhos vibrantes, como a série The New Way to Wear Black (2012), uma associação entre seu trabalho performático e a prática pictórica de Vidal. No mesmo ano, começou a frequentar as recém-surgidas feiras especializadas, como a 1:54 Contemporary African Art Fair, em Londres, e AKA – Also Known as Africa, em Paris. “Me interessa questionar as fronteiras do que seja uma prática artística. Considero tudo o que faço – produção ou curadoria – como meu trabalho artístico”, diz.

Foi com esse pensamento que Rita GT trabalhou como voluntária no primeiro pavilhão de Angola que foi montado em uma Bienal de Veneza. Isso foi em 2013, com seus amigos, a curadora Paula Nascimento e o artista Edson Chagas.
“Voluntariei para ir ajudar, fazer qualquer coisa, nem que fosse limpar copos, mas queria estar com eles porque sabia que esse seria um momento muito importante para Angola. E aconteceu uma coisa histórica: o Pavilhão de Angola ganhou o Leão de Ouro. Então deu-se um boom da arte contemporânea africana. Na edição seguinte da feira 1:54 vieram diretores do MoMA, da Tate, compraram imensas obras. Foi uma revolução”, conta.
Na 56ª Bienal de Veneza, em 2015, dirigida pelo nigeriano Okwui Enwezor, a expectativa sobre a presença do continente africano aumentou. E Rita GT voltou à Itália como produtora-geral do pavilhão de Angola, que teve curadoria do artista António Ole e participação do também artista Nelo Teixeira. Na atual edição, em cartaz até 26/11, ela voltou como visitante. “Este ano eles conseguiram fazer uma coisa muito bem produzida e profissional, bons artistas, boas peças, fiquei muito orgulhosa. Costa do Marfim, Tunísia, Egito, Quênia e Zimbábue também tinham pavilhões ótimos. Então, de repente, existe aqui um circuito. E tentamos trabalhar juntos, como uma network”, diz ela.
Atualmente, Rita GT voltou para o Porto e vive em trânsito entre Lisboa, Londres e Luanda. Mas só Angola não cabe mais em seu coração africano. “Estou hoje investigando as relações da Nigéria e da cultura iorubá com Portugal e o Brasil. Há a cidade do Benin (não o país), na Nigéria, em que as pessoas têm nomes portugueses, porque foram escravos levados para o Brasil e depois voltaram. E essa cultura iorubá é igual ao candomblé”, conta ela, que conheceu a religião afro-brasileira no Rio durante residência de um ano no Capacete, entre 2008 e 2009.
Em Lisboa, onde é representada pela Galeria Belo-Galsterer, Rita é também diretora criativa da coleção ACCA (Angola’s Collection of Contemporary Art), do arquiteto Alexandre Falcão Costa Lopes, que reúne em Lisboa peças de 27 artistas angolanos. É dessa coleção que ela selecionou cinco artistas com quem gentilmente dividiu estas páginas de seLecT: Ana Silva, Délio Jasse, Nelo Teixeira, Thó Simões e Yonamine.