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Postado em 25/08/2012 - 3:52
Secretária Eletrônica (1935-2000)
Giselle Beiguelman

Gestada aos poucos, essa guardiã dos recados coroou um longo processo de pesquisas sobre a gravação da voz humana

Ediphonevoicewriter

Legenda:(FOTO: Reprodução: Thomas A. Edison Company Ediphone Voicewriter)

Moça responsável e pouco dada a fofocas, ouvia tudo e copiava o que lhe diziam, sem tirar nem pôr. Cosmopolita, sua biografia atravessa, desde o século 19, o tempo e o espaço, tendo parentesco com familiares de origem dinamarquesa, alemã, norte-americana e japonesa.

Nascida em berço alemão, fruto do trabalho de Willy Müller, no entre guerras, tinha por público-alvo os judeus ortodoxos que não podiam atender ao telefone no Shabat. Müller concebeu a primeira máquina de atendimento automático de telefone, mas até se tornar essa tele-Amélia que atendia sozinha as chamadas, escutava, gravava e transmitia fielmente o que ouvia por aí, muitos rolos de cera e vinil foram sulcados.

Gestada aos poucos, essa guardiã dos recados coroava o resultado de um longo processo, iniciado no fim do século 19, quando as primeiras pesquisas de gravação da voz humana começaram a dar resultado. Neta do fonógrafo de Thomas Edison, ironicamente um notório antissemita, foi prima-irmã do Telegraphone, aparelho criado, em 1898, pelo engenheiro dinamarquês Valdemar Poulsen, que gravava os campos magnéticos produzidos pela variação do som. Floresceu nos EUA, tendo como pai o Dictaphone do Laboratório Volta, de Alexander Graham Bell, batizado com esse nome, em 1907, pela Columbia Gramophone Company, com quem o Volta se fundira alguns anos antes.

Garoto de sucesso, o Dictaphone reinou imbatível nos escritórios até depois da Segunda Guerra, quando seu moderno herdeiro, o Dictabelt, mandou para o espaço os velhos cilindros de cera que armazenavam as gravações, impondo o padrão do cinto de vinil que introduzia o estilo WORM (Write Once, Read Many), e tinha a incrível capacidade de armazenar 15 minutos de gravação.

Foi só nos anos 1960 que, via a genialidade do doutor Kazuo Hashimoto, finalmente o esperado rebento, a Excelentíssima Secretária Eletrônica, nasceu. Bombou nos anos 1980, quando se chegou a vender, só nos EUA, 1 milhão de secretárias eletrônicas por ano. O vigor da mocidade passou rápido e os primeiros abalos em sua carreira meteórica de sucesso começaram a ser sentidos quando as empresas de telefonia passaram a comercializar serviços de correio de voz, e ela ainda era uma balzaquiana cheia de sonhos. O golpe mortal veio com a explosão dos celulares e sua imbatível caixa postal, sempre alerta e no bolso de seu senhor. Vive moribunda, empoeirada e esquecida num canto remoto da casa. Sem nenhum esplendor, suspira seus últimos dias, definhando acoplada a um telefone fixo, parceiro de todas as horas, na alegria e na dor.

*Publicado originalmente na edição impressa #7.

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