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Cama de Romeu e Julieta, de Arthur Bispo do Rosário [Foto: Divulgação]
Postado em 13/11/2012 - 1:30
Sem gritos, mas com escutas
Pouco estridente, Trigésima Bienal de São Paulo apresenta elos bem desenvolvidos e relevantes ressonâncias entre obras

Algumas obras-farol podem servir de guia para esta nada estridente Trigésima Bienal de São Paulo, constituída na forma de constelações, segundo o curador Luis Pérez-Oramas e equipe. Uma delas ganhou um título a posteriori, colocado a caneta em escrita algo trêmula, Half Buried Monument to the Continental Drift, pelo artista mineiro Thiago Rocha Pitta. Os grandes montes de terra mesclados a tecidos encimentados que compõem a peça ficam na saída de uma das rampas do difícil e belo Pavilhão da Bienal. As intrincadas junções entre o mais básico – a terra – e o indicial do construído – os tecidos agora rijos e de um cinza urbano que parecem levitar na composição – pedem um olhar menos atrelado a abordagens de espalhafato.

Há elos muito bem desenvolvidos entre poéticas difíceis de ser ligadas. A escolha dos artistas surpreendeu positivamente. Nomes que não são endeusados pelo sistema das artes têm espaço para atestar suas qualidades. O projeto expográfico opta por dar ao público um trajeto o menos cansativo possível, deixando que as obras falem mais que os espaços expositivos. Discretas e funcionais, as salas expõem antologias dos artistas ou trabalhos feitos especificamente para a Bienal. A junção de um projeto curatorial consistente e de um modo de exibição menos confuso faz com que a 30a Bienal galgue degraus para tornar-se uma edição memorável.

Exemplificando os diálogos entre poéticas, é relevante e fecundo que um artista hoje consagrado, como o israelense Absalon (1964-1993), guarde, por meio do conceito de abrigo, ligações com a obra do paulistano Nino Cais, de 43 anos. Se o primeiro opta por uma reação ao projeto modernista por ações e construções de “células” de habitar, o segundo cria um espaço de abrigo, mais próximo ao intimista e ao doméstico. A sala Espetáculo compila mais de cem obras de Nino Cais, resumindo uma produção que transitou muito tempo por lugares experimentais no nosso sistema de arte e que hoje ganha uma visibilidade merecida. Robert Smithson (1938-1973) é outro nome-chave em A Iminência das Poéticas. Os vídeos Spiral Jetty, Mono Lake e Swamp são um dos trunfos da edição.

A influência decisiva de suas ideias (que ampliam a land art para muito além de solitárias intervenções na natureza) sobre gerações posteriores ganha corpo, nesta exposição, em trabalhos nada ruidosos, como os da norte-americana Helen Mirra, que tanto pode apresentar uma obra sonora feita no deserto como ostentar a delicadeza de pequenas sentenças poéticas feitas em “horizontes” de tecido. O rolar alegre de Smithson nas pequenas falésias de Mono Lake tem a ver com as quedas iminentes dos inquietantes vídeos de Bas Jan Ader (1942-1975), outro grande artista que ganha exibição inédita por aqui.

O espaço climatizado com o gigantesco trabalho de August Sander (1876-1964), ladeado pela estandardização atestada pelas centenas de registros de Hans Eijkelboom, é dos pontos altos da curadoria de Oramas. No mesmo espaço ainda há a comovente obra de Mark Morrisroe (1959-1989), que antecipa práticas hoje celebradas por Nan Goldin e Wolfgang Tillmans, entre outros. Jovens como a paulista Sofia Borges e o amazonense Rodrigo Braga também apresentam produções fotográficas encorpadas. Hans-Peter Feldmann cria laços que poderiam ser improváveis, mas se revelam produtivos, com um dos hits da 30a Bienal, a sala de Arthur Bispo do Rosário (1909-1989), impecável.

O público pode também se aproximar de produções mais silenciosas, mas de grande potência, de variados artistas. Como Cadu e seu projeto Estações, que mudará durante o período da exposição; o amálgama de suportes e abordagens do carioca Eduardo Berliner, entre o fantástico e o descritivo; os desenhos instalativos de Nicolás Paris; a escrita de Erica Baum; a sala low fi de Icaro Zorbar; as ações sutis de Hreinn Fridfinnsson. Mas para quem quer ruído – e bom – Kriwet, com sua babélica urbe de signos, e Franz Mon, com um hexágono de sons perto de cartazes retorcidos, podem inquietá-lo pelo vigor.

* Mario Gioia é jornalista, crítico e curador de arte. Trabalhou no jornal Folha de S.Paulo e colabora para a revista Trópico e o portal UOL, entre outros veículos. É coautor de Roberto Mícoli (Bei Editora).

*E você? Concorda? Discorda? Envie sua crítica aqui. Ela pode ser publicada no web app da Trigésima Bienal.

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