Uma definição da (boa) arte está na capacidade de resistir à total consumação de seu significado. Enigma, vertigem ou magia são termos evocados para expressar que a linguagem artística supera a banalidade do cotidiano. Agora, não existe arte sozinha. A questão colocada aqui é como manter a experiência estética em contextos regidos por estratégias comerciais?
Cabe destacar uma exigência posta por Dominique Gonzalez-Foerster no período da 44ª Art Basel (Suíça), entre 14 e 22 de junho último – a mesma feira que no ano passado exibiu um Bicho de Lygia Clark em escala monumental. Ao admitir apenas uma pessoa por vez dentro de seu recinto, a obra R. 145 gerou uma fila e abriu uma suspensão no ritmo aliciente dos profissionais da arte. Reparo importante: a obra não estava na feira, mas na exposição 14 Rooms.
Um dos eventos-satélites mais badalados, a curadoria de Klaus Biesenbach e Hans Ulrich Obrist reuniu mainstreams de vários continentes e confiou o display aos arquitetos Herzog & De Meuron – escritório cujo projeto de um Complexo Cultural Luz para a Cracolândia, em São Paulo (estimado em cerca de R$ 500 milhões), foi congelado pelo governo Alckmin. A ideia era simples: um quarto fechado para cada um dos 14 artistas convidados a elevar o ser humano à condição de matéria-prima da obra de arte. Girando a maçaneta, o público atravessava uma porta de espelho, com o frisson de devassar uma alcova. Nela, se deparava com veteranos da performance (Joan Jonas, Marina Abramović), com a primorosa reencenação para Wall. Floor Positions (1968), de Bruce Nauman, com nomes estelares (Allora & Calzadilla, Tino Sehgal, entre outros).
O saldo final foi, contudo, constrangedor, porque dependia do compromisso de uma audiência bem particular. A peça Swap (2011), de Roman Ondak, não poderia funcionar, embora perfeitamente inserida na sua lógica de trabalho: tratava-se de um convite a desapegar-se de um objeto pessoal que, graças à mediação do performer, ficaria com alguém da plateia. Em visita à Art Basel, quem está apto a largar um item de sua bolsa, reduzida a transportar cartões de crédito e celular? A impossibilidade de doação afugentou os portadores de bens preciosos para o próximo quarto, onde, de novo, falhava a instrução: seria esse o momento favorável para ser apalpado no penetrável escuro de Yoko Ono intitulado Touch Piece (1963)?
Meia-volta ligeira. A sala de Laura Lima submeteu todos os voyeurs a abaixar-se ao rés do chão para vislumbrar seu semelhante e diferente. Êxito total da liturgia da performance como circo. A cada ano, os curadores acrescentam um quarto/artista. Esse projeto iniciou em Manchester, e já passou por Essen e Sydney. Não espantaria que, em breve, aportasse em alguma cidade perto de você. Em meio às mil e uma atrações da maratona de Basel, muitos desistiram de entrar na fila para ver R. 145, de Gonzalez-Foerster. Anticlímax, clímax.
Lisette Lagnado viajou para Basel a convite da Pro-Helvetia.
*Crítica publicada originalmente na edição #19