icon-plus
Fragmento de Plegária Muda (2012), instalação de Doris Salcedo [Foto: Divulgação]
Postado em 01/03/2013 - 6:21
Sob o peso do inerte
Instalação de Doris Salcedo na Estação Pinacoteca é um paradoxal encontro entre a vida e a morte

A instalação de Doris Salcedo causa, a quem chega à Estação Pinacoteca, um impacto. O cheiro de terra, a estranheza daquelas mesas suspensas com as pernas para cima, ocupando sala após sala. O silêncio, tudo parece inerte, morto. Como um salão após o baile, como um velório, uma sucessão de túmulos. Em Plegaria Muda (Prece Muda), a artista colombiana evoca as vítimas dos massacres na guerra civil em seu país, mas também as mortes violentas e gratuítas em todos os cantos do planeta. É um tributo àquelas vidas profanadas e um ritual que celebra a ressurreição. Doris Salcedo é responsável por algumas das últimas mais importantes obras e intervenções arquitetônicas, como a grande fenda feita no chão da entrada da Tate Modern, em Londres, e o tensionamento das paredes de uma galeria no Instituto Inhotim, em Brumadinho (MG), cobertas por telas de metal e gesso.

As mesas são empilhadas aos pares, invertidas, formando 120 conjuntos. Entre elas há um bloco de terra. Como se cada peça recortasse uma camada geológica da paisagem, um estrato em que talvez se depositaram restos, sedimentos acumulados ao longo do tempo. Matéria comprimida, contida, cerceada. Estamos, aparentemente, sob o peso de tudo que é inerte, do que foi imobilizado, submetidos a uma inexorável gravidade.

A impressão inicial é que contemplamos uma câmara mortuária. Mas logo se percebe que, por entre as frestas na madeira dos tampos das mesas, crescem pequenos tufos de ervas. É ali, naquela faixa estreita, onde as raízes não podem ser profundas, que o mato germina. Naquele espaço intermediário, um intervalo, o entre. Pois é pelo meio que as coisas adquirem velocidade.

O dispositivo, porém, torna-se paradoxal quando enquadrado nos procedimentos expositivos das grandes instituições por onde vem circulando. Nesses museus, a instalação tem de estar sempre pronta, imediatamente apresentada para diretores, patrocinadores e grande público. Não há tempo para que os elementos trabalhem, para que o material orgânico evolua. Então, em cada peça se instala um mecanismo de irrigação e um botânico se encarrega de plantar mudas de mato nos orifícios das mesas e acompanhar o seu crescimento.

Tudo é rigorosamente controlado, de modo que a qualquer momento se tenha a obra acabada. Logo uma instalação que enfatiza a capacidade da matéria de romper os limites da contenção, desestratificar, encontrar uma linha de fuga. Que revela a força da vida que renasce por entre as vigas que a aprisionam e asfixiam. A obra de arte não consistiria justamente numa aposta nessa potência imanente da matéria?

Doris Salcedo: Plegária Muda

Até 3 de março
Estação Pinacoteca
Praça da Luz, 2
São Paulo – SP

*Nelson Brissac é filósofo, trabalhando com questões relativas à arte e ao urbanismo. Coordenou o Arte/Cidade, projeto de intervenções urbanas em São Paulo. Dedica-se a pesquisas sobre dinâmicas territoriais e às relações entre arte e indústria.

*Publicado originalmente na edição impressa #10.