Uma experiência visual disruptiva atravessa as páginas da edição #Nordeste da revista, que contou com a curadora Cristiana Tejo como co-editora convidada. Começa pela imagem de um logotipo que ocupa toda a página 51 e segue insurgindo-se em páginas nobres (sempre as de número ímpar) até 99, que perfaz, com a 98, um “anúncio” de página dupla, espécie de grid de classificados igualmente disruptivos. A irrupção da página 51 se assemelha ao antigo logo do Ministério da Cultura, mas com a corruptela “realização Lady Incentivo” anotada, com a mesma fonte, acima do símbolo que se costumava ver atrelado aos projetos apoiados pela Lei Rouanet. Duas páginas depois, uma imagem granulada mostra um pote vazio de shampoo Johnson’s Baby com o slogan “Chega de lágrimas / No more tears” deteriorado. Ao final de uma reportagem, uma imagem sem maiores explicações, trabalho gráfico estilizado que alude à bandeira do Brasil e, ao centro, mostra operários trabalhando em uma construção de grande porte que se assemelha aos registros em preto e branco da edificação de Brasília. A essa altura já está o leitor se perguntando o que diabos está acontecendo nas páginas dessa revista. Os “anunciantes” misteriosos serão revelados no final da leitura, dando a dimensão do quanto a propaganda é normalizada entre nós. Seja ela propaganda de Estado ou de produtos de consumo, perceber que permitimos que se imiscua no cotidiano sem causar alarde é o resultado da ação. A ação é uma curadoria de Ana Maria Maia, elaborada especialmente para a seLecT, com trabalhos de Fabiana Faleiros, Jorge Menna Barreto, Beto Schwafaty, Luiz Roque, Regina Parra e Gia.
A edição #21 é marcada pelas surpresas. “Eu vi o mundo, ele começava no Nordeste”, anuncia o editorial. Diego Inglez de Souza reporta o que está se passando no Ocupe Estelita, no centro de Recife, movimento Reclaim the Streets de reivindicação social na capital pernambucana. No Fogo Cruzado, Márion Strecker entrevista personalidades das artes que vivem no Nordeste e relatam a escolha por permanecer “fora do eixo”, como Jonathas de Andrade, que conta da relação forte com o jeito de as pessoas, o pensamento e as relações se moverem ali. Sobre esse movimento efervescente e outridade em relação ao Sul do país, debruçam-se a equipe editorial e os colaboradores da edição, trazendo rico material de pesquisa sobre o Porto Digital, em Recife, com retratos produzidos pela artista Bárbara Wagner especialmente para a revista; o “fusionismo baiano” reivindicado pelo artista Marepe, capa da edição; os movimentos experimentais Poema/Processo e Arte Correio como disparadores rizomáticos de diálogos dos artistas do Nordeste com o mundo, as coleções de Airton Queiroz e da Fundação Edson Queiroz, em Fortaleza; e a jovem cena cinematográfica. O entrevistado da edição é Sergio Bessa, curador do Bronx Museum de Nova York e da primeira individual de Paulo Bruscky nos EUA. A edição conta ainda com a colaboração de Marcelo Rezende, então curador da Bienal da Bahia, com um ensaio sobre o apetite voraz e agressivo do “sistema” em torno da arte. Um convite a rever nossas coordenadas.
