A última semana de maio foi a semana de Cory Arcangel na mídia impressa de Nova York. Tanto que a crítica Roberta Smith inicia sua longa resenha no NYT da exposição Pro Tools, individual do artista no Whitney Museum, afirmando que o “prodígio digital, músico-artista e hacker inveterado” quase dispensa apresentações: “Na movimentação para a mostra o Sr. Arcangel conseguiu uma espécie de tripla coroação jornalística: perfis nas revistas New York, The New Yorker e na seção de Artes e Lazer do New York Times. Estas matérias detalharam sua antiga fascinação com televisão e computadores; seus anos de graduação no Oberlin College, onde ele mudou seu foco da guitarra clássica à tecnologia na música, seu amor por equipamentos eletrônicos e programas obsoletos; o barulho que ele fez na Bienal do Whitney de 2004 com Super Mario Clouds v2k3”.
Lembrando que a videoinstalação de 2004 –misto de pop, minimalismo e inocência geek, segundo Smith– baseada no videogame Super Mario Bros. consistia em uma alteração do programa hackeado da Nintendo (o artista apagou as figuras, “limpou” todos os elementos reconhecíveis, deixando apenas as fofinhas nuvens brancas de fundo pulsando sobre um céu azul pixelado), a crítica afirma que a presente exposição no Whitney também tem algo de apagamento e limpeza: “A individual não corresponde à atenção prévia que recebeu. (…) Esterilizada e austera, [a mostra] com obras quase todas de 2011, diz pouco de seus primeiros e mais ousados esforços digitais ou de seu desenvolvimento artístico”.
Não fica claro se Roberta Smith está apenas contrariada pelo destaque que o artista recebeu na imprensa ou se a exposição teria sido igualmente frustrante para ela caso nenhum destaque tivesse sido dado ao artista. “São poucas as obras que refletem seu interesse de longa data por televisão e videogames; em outras ele tenta demais estabelecer ironicamente a sua boa fé formalista, com citações de pintura e escultura abstratas.” Mas chamar as ampliações fotográficas de espectros de gradiente de cor do Photoshop de “citação de pintura abstrata” é demonstrar um entendimento limitado da obra de Arcangel. A título de comparação, um trecho da coluna de Ben Davis no Artinfo.com a respeito da mesma obra: “Um único clique é tudo que é necessário para fazer estes padrões (os títulos inclusive incluem as coordenadas exatas que você mesmo poderia digitar para clonar a imagem). A tecnologia ultrapassou completamente as capacidades históricas da arte abstrata, esvaziando-a de qualquer retórica que ela já teve”.
“Como vimos aqui o Sr. Arcangel surge como um artista que tem apostado em seu interesse por engenhocas eletrônicas e em sua obsessão com as antigas vanguardas para realizar uma arte-sobre-arte que muitas vezes cintila sua frágil vida só depois de você ter ingerido uma etiqueta de parede seca e didática. As peças em exibição estão cheias de ecos esclarecidos da primeira vídeo-arte e do cinema estruturalista, arte cinética, arte conceitual e da arte pop e seus derivados em curso; pintura abstrata, e, acima de tudo, da arte de apropriação –tudo isso sempre atualizado com a atitude democrática da sua geração para o compartilhamento de informações.”
O mau humor não tornou Smith completamente impermeável às invenções de Arcangel, como deixa clara a análise que ela faz da principal obra em exposição, “Various Self Playing Bowling Games (a k a Beat the Champ)” –conjunto de projeções de games de boliche alterados de modo que a bola invariavelmente caia na valeta: “O aspecto mais atrativo do trabalho é a sua mais-que-nítida representação das emoções humanas; a peça, inadvertidamente, mimetiza uma espécie de aurora da consciência e do desespero existencial modernos, traçando a evolução do jogador como um soldado pré-Pac-Man, pouco diferenciado da bola de boliche em si, para um lançador com acesso de raiva relativamente realista, que cai ou esmurra o piso depois de cada arremesso falho, como um dos furiosos palhaços frustrados do Sr. Nauman. A peça é também uma reprise anárquica das análises antropológicas de obras fotográficas do início dos anos 1980, especialmente seqüências de Richard Prince de modelos posando de forma semelhante para anúncios de relógios, jóias ou cigarros”.