Junte em uma panela funda generosas fatias da série Revenge, várias pitadas de Kill Bill e mais algumas gotas de Quem Quer Ser Um Milionário. Bata, chacoalhe e misture bem. Pronto. Essa deve ser a receita de sucesso de Avenida Brasil, a novela das 21 horas de João Emanuel Carneiro, que vem assombrando o horário nobre da Rede Globo.
Quase sem núcleo zona sul, restrito a meia dúzia de personagens de uma mesma família disfuncional – um marido pseudo- engraçado (Alexandre Borges, sempre lindo, mas que já cansou um pouco nessa função), suas três esposas traídas (Debora Bloch, Camila Morgado e Carolina Ferraz) e alguns filhos inexpressivos –, tudo se passa em um subúrbio genérico do Rio de Janeiro.
Ricos e pobres vivem aí. O expoente social é Tufão (Murilo Benício, versão Ronalducho), jogador de futebol aposentado mais devagar que a hiena do Lippy & Hardy e com o figurino também mais genial dos últimos tempos. O modelão camiseta “tipo Polo”, conjuntinho com blusão da mesma cor, que orna com o inseparável pingente de chuteira dourado combinando com tudo é um triunfo.
Só perde mesmo para o de seu pai, Leleco (Marcos Caruso), com seus inspirados óculos de Formiga Atômica equilibrados na testa. Ele é, definitivamente, o maior astro da novela. Não só pela atuação impagável, mas também por ser um dos únicos personagens decentes desse enredo que bem poderia se chamar Avenida Covil!
Mundo-cão é pouco. Gente má e sem escrúpulos acumula-se aí aos borbotões. A começar pela heroína, Nina, que na verdade é Rita (Debora Falabella), a quem bem caberia o bordão de outra vilã do mesmo autor, a genial Flora, de A Favorita: Purgantezinho! Como é chata… Não menos que a peste da megera, Carminha (Adriana Esteves), a dissimulada que, por ora, engana todos e, talvez, vá se ferrar totalmente no final. Ou não. Pois ela tem também uma história triste, relacionada ao mundo do lixão.
Ah, sim, nessa história não tem núcleo pobre. Só ultramiserável. E nesse núcleo vivem o “ultrabad” Nilo (José de Abreu em versão Papai Noel diabólico) e a ultraboa mãe (de todos) Lucinda (Vera Holtz). O primeiro é explorador de menores e pai do primeiro malandro-otário do planeta, Max (Marcello Novaes). A outra mora numa casa tão estetizada que já deve ter muita criança querendo morar lá, assim como na época de Chiquititas chorava-se suplicando às mães o direito de morar em um orfanato. Coisas da vida nas telas.
Muito difícil encontrar alguém que preste em Avenida Covil, digo, Brasil. Os personagens são em sua maioria podres. Ou já cometeram algo bastante grave no passado. Isso parece estar na moda, aliás. Assim é o mundo de outra telessérie em capítulos atual, Revenge (Sony).
Aqui não tem núcleo rico, só podre de rico: nos Hamptons, onde se passa a série Revenge, Emily manipula sem dó nem piedade, da reunião familiar dos arquiinimigos à conversa “amigável” com o amor de infância, Jack. Este, aliás, só se dá mal no joguinho entre Emily/ Amanda e Amanda/Emily(a companheira de prisão juvenil com quem trocou de identidade)
Aqui, estamos do outro lado do espectro social. O radicalmente outro mundo da elite norte-americana que vive em Nova York e passa os verões em suas faustosas mansões nos Hamptons. Se você é triliardário nos EUA, a costa da Califórnia e Miami são kitsch. E mesmo Ocean County – que nas minisséries já foi emblema dos contrastes sociais americanos, palco do drama adolescente The O.C. – é cafona.
É nos Hamptons que a protagonista Emily Thorne (Emily VanCamp) vai se fixar para causar o máximo de estrago no menor intervalo de tempo possível nas vidas dos vizinhos. Logo de cara o espectador sabe que seu nome verdadeiro é Amanda Clarke – o que seria do dramalhão vingativo sem mudanças de identidade? – e que sua missão é vingar a desgraça e a morte do pai, David Clarke.
Quando ela era criança, o pai foi arrancado de casa, acusado de um ato terrorista que vitimou centenas de pessoas em um avião que explodiu nos ares (o calo da América). Na realidade, ele teria sido o bode expiatório de um esquema malévolo do casal Conrad (Henry Czerny) e Victoria Grayson (Madeleine Stowe), que se tornam naturalmente os arqui-inimigos de Emily/Amanda, para quem ela reserva o pior destino.
No caminho da vingança, ela arruína – um a cada episódio – todos os coadjuvantes na cilada armada contra o pai: a secretária, o senador, a psicóloga, o autor do livro que colocou a última pedra sobre as esperanças de David Clarke de ser inocentado. Ela conta com a ajuda do magnata das telecomunicações Nolan Ross – o típico geek de Sillicon Valley que fez fortuna aos 20 anos (e cujo principal investidor no início do sonho digital foi papai Clarke) –, do dinheiro que ela tem de sobra, da beleza (que a auxilia a fazer o filho dos Grayson, Daniel, cair de amores por ela) e da sorte (que assim tão cronometradamente exata só acomete mesmo os personagens de novela).
No episódio 18, que foi ao ar em meados de junho, o círculo de ódio e sordidez foi inflamado por um novo assassinato e uma escalada de violência que já não se contenta com meros incêndios de casas, surras com barras de ferro e pessoas sendo atiradas do alto de arranha-céus. Enquanto isso, nos trópicos, em Avenida Covil, digo, Brasil, sabe-se lá quantas pessoas a megera Carminha terá sacaneado dos píncaros de seu palacete decorado com todos os últimos gritos da moda do falso brilhante.
Mas o jogo de gato e rato, ou rata e ratazana, entre ela e a mocinha-bandida, Nina/Rita começará a esquentar e deixar os telespectadores inquietos. Seja nos Hamptons, seja no imaginário subúrbio carioca do Divino, quem vacila, dança. O mundo é dos espertos e qualquer desfecho conciliatório vai frustrar os espectadores. Afinal, qualquer criancinha sabe que as histórias mais sujas só acabam em pizza no reino encantado das CPIs.
Publicada originalmente na #select6.
Emília Vandelay escreve sobre televisão na seLecT (@emiliavandelay)