Entrar na exposição Ideias Radicais Sobre o Amor de Panmela Castro, no Museu de Arte do Rio, é como se envolver em uma conversa sobre o que significa ser humano. Amor, conexão, cuidado – esses conceitos permeiam o espaço, não como ideias fixas, mas como forças dinâmicas e em constante transformação. Com curadoria de Daniela Labra e apoio de Maybel Sulamita, a mostra transforma o museu em um ambiente onde o amor é simultaneamente pessoal e coletivo, delicado e político, efêmero e duradouro.
As obras de Panmela Castro não são feitas apenas para serem vistas e sim para serem vivenciadas, tocadas e sentidas. Seus gestos, ao mesmo tempo lúdicos e profundamente sérios, atraem o espectador – seja ao tomar um chá, abrir um biscoito da sorte ou participar de uma outra performance. Sua arte questiona vários pontos: o que significa cuidar do outro? O amor, em suas muitas formas, pode ser cultivado através da arte? E se o amor é um ato de reinvenção, como Labra sugere em seu texto curatorial, como podemos usá-lo para transformar o mundo ao nosso redor?


No núcleo de Ideias Radicais Sobre o Amor está um importante compromisso com a participação. Em obras como Chá das Cinco (2024), um ritual coletivo de chá, os visitantes deixam bilhetes sob as xícaras – oferecendo conselhos, reflexões ou pequenos gestos de bondade a desconhecidos. Essa troca simples se torna profundamente íntima, lembrando-nos do poder de pequenos gestos nos aproximar de outras pessoas. De forma semelhante, em Bíblia Feminista (2021–2024), Castro convida mulheres a reescreverem um livro sagrado com mensagens que focam em suas aspirações e reflexões, recuperando uma narrativa que historicamente as excluiu.
Mas o amor, como Panmela o apresenta, nem sempre é fácil ou confortável. Também é desordenado, vulnerável e, às vezes, doloroso. Na performance Ruptura (2015–2024), ela convida os participantes a cortar seu cabelo, transformando um ato profundamente pessoal em um ritual coletivo de liberação e renovação. Segurando a tesoura, o espectador divide o sentimento e o peso do que significa deixar ir – não apenas o cabelo, mas as identidades, relações e memórias que ele carrega. Também em Revanche (2019–2024), a destruição de Ursão, um urso gigante de pelúcia, confronta o público com a inevitabilidade da perda. Essas performances nos lembram que o amor não é apenas sobre conexão, mas também sobre a coragem de aceitar a impermanência.
As obras de Panmela Castro também dialogam com tradições da arte feminista que destacam o corpo e a relacionalidade. Suas performances ecoam as práticas de artistas como Ana Mendieta, que explorou a vulnerabilidade e a resistência, e Catherine Opie, cuja obra fotográfica sobre identidade inspirou o uso de escarificação por Panmela em Consagrada (2021). Como essas precursoras, a artista usa seu corpo não apenas como um meio de expressão, mas como um veículo para conexão, convidando o público a refletir sobre suas próprias experiências de amor, cuidado e comunidade.


Amor ao vivo
O que a distingue é a multiplicidade de formas de amor que explora –platônico, romântico, amor-próprio, cuidado coletivo e até o amor incorporado na resistência. Em Honra ao Mérito (2023–2024), mulheres recuperam sua agência e visibilidade ao se auto-premiarem com medalhas em um ato simbólico de autorreconhecimento. Essa prática é comovente; é um ato de empoderamento coletivo que permanece com o público além da performance. No entanto, através de seu trabalho, Castro equilibra sua crítica a normas socias com humor, ironia e de forma lúdica enquanto nos convida a imaginar como o amor pode viver além dessas restrições.

A constante evolução da exposição espelha a fluidez do próprio amor. Algumas obras são criadas ao vivo durante o período expositivo, enfatizando o processo em lugar do produto final. Essa abertura à mudança reflete a dimensão temporal do amor, alinhando-se à teoria da necessidade de pertencimento de Roy Baumeister e Mark Leary, que argumenta que a conexão humana é uma necessidade dinâmica e contínua. Panmela amplifica essa ideia ao colaborar com outros – amigos, desconhecidos e artistas – que ativam suas obras e se tornam parte de sua narrativa.
À medida que o espectador percorre a exposição, fica fácil entender que Ideias Radicais Sobre o Amor não trata apenas do amor como sentimento, mas também como ação. Trata-se do esforço necessário para ouvir, cuidar e se conectar, mesmo diante da vulnerabilidade e da perda. Panmela não oferece respostas fáceis, mas cria um espaço para reflexão e intimidade.
Qual o impacto da arte sobre a construção de amores e relações? Essa é uma das perguntas que ficam quando saio da exposição. Essa questão parece menos um desafio e mais um convite. Talvez não seja a arte em si que construa o amor, mas a maneira como nós, como participantes, nos envolvemos com ela: nossa disposição para estar presentes, nos conectar e cuidar. Nesse sentido, o trabalho de Panmela Castro não é apenas uma celebração do amor, mas um chamado à ação. A sua arte nos lembra que o amor, em toda a sua complexidade, é algo que criamos juntos, com um bilhete, um gesto e uma performance por vez.
Serviço
Ideias Radicais Sobre o Amor, até 24/11, Museu de Arte do Rio (MAR), Praça Mauá, 5, Rio de Janeiro. https://museudeartedorio.org.br/