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Vista da exposição Excessossenus, de Cristina de Middel e Bruno Morais
Postado em 07/10/2017 - 5:43
Um dia no Valongo
Até domingo 8, Festival Internacional da Imagem, em Santos, cria plataforma de construção da memória a partir de outras histórias
Paula Alzugaray

Nas curvas da estrada de Santos, desci a serra conversando com Cao Guimarães, que foi convidado pelo Valongo – 2º Festival Internacional da Imagem 2017, a participar de uma mesa de conversa e a ministrar um workshop. Ele chegara em Guarulhos de Montevideo, onde vive há um ano. Falávamos de memória, e ele dizia do quanto suas lembranças estão vinculadas a imagens filmadas ou fotografadas, e de como a maior parte daquilo que não foi registrado, cai em esquecimento. Então me lembrei de uma frase que ele disse certa vez – não sei se em mesa de conversa pública, ou em mesa de bar –: “todos os meus filmes são filmes de viagem”.

Mas isso foi antes de 2013, quando Cao Guimarães realizou o longa-metragem “O Homem das Multidões”, em parceria com Marcelo Gomes, pois este é o primeiro de seus filmes que não foi feito sobre ou durante uma viagem. Hoje, ao contrário do deslocamento, Cao versa sobre a espera. Este é o tema de seu novo longa-metragem, em processo.

Centro histórico e bairro portuário de Santos, onde a cidade nasceu no século 16, o Valongo é o cenário perfeito para um festival da imagem. Primeiro por ser incrivelmente fotogênico e abrigar uma variedade de manifestações populares e culturais – do Quartel General do Samba G.R.C.E.S X9 ao Museu do Café. Segundo porque é hoje foco de acirrados debates sobre arquitetura, urbanismo e revitalização. O festival capitaneado por Iatã Cannabrava e Thamyres Matarozzi se engajou de forma estratégica ao debate e, desde a primeira edição, em 2016, atua como um vigoroso polo de reflexão e ativação cultural local, instalando suas ações e exposições em ruínas de edifícios dos séculos 18 e 19. No Festival do Valongo, não apenas a fotografia, mas o contexto em que ela está inserida, estão em primeiro plano.

Em statement, Cannabrava postula que a intenção do festival é incentivar a sociedade brasileira a desenvolver uma cultura sólida e sistemática de documentação, bem como promover o resgate e acervo dos materiais já produzidos. “Sendo assim, utilizamos o festival como plataforma para lançarmos um movimento que busca ampliar as bases de construção dessa memória, chamado RGB – Registro Geral Brasileiro.”

Meta absoluta do festival, a memória foi o tema da conversa com Cao na Serra do Mar, e do debate “Arquivo e Imagem em um Brasil sem Memória”, com as presenças do artista Jaime Lauriano, do cineasta Marcelo Gomes e da curadora Diane Lima. “A função do cineasta não é narrar a história. É transformar a história em ato dinâmico”, disse Humberto Mauro, lembrado por Marcelo Gomes. As participações na programação de artistas e formadores de opinião como Rincon Sapiência, Preta Rara e Midia Ninja sem dúvida ajudam a dinamizar a história.

Instigada pela estonteante fotogenia local e pelo desafio lançado por Cannabrava de sistematização da memória e da documentação, realizo aqui uma narrativa visual do Valongo 2017.