Do dia 9 para 10 de novembro de 1989, as populações de Berlim Oriental e Ocidental derrubaram o muro que as manteve privadas do convívio por 28 anos. Nove meses antes do evento que redefiniu a ordem mundial, o Brasil assistiu pela televisão aberta a um acontecimento de magnitude nada desprezível, que derrubou as fronteiras entre a arte, a política e a cultura popular. Os 30 anos do desfile Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia (1989), da Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis, concebido pelo carnavalesco Joãosinho Trinta, ganham hoje uma homenagem da arte contemporânea, com a exposição Ratos e Urubus, no Centro Cultural São Paulo.
Joãosinho Trinta concebia o desfile como uma ópera capaz de juntar todas as artes. A curadoria de Thais Rivitti e Carlos Eduardo Riccioppo assume o partido do carnavalesco, incorporando várias linguagens. A exposição é composta de música (Arnaldo Antunes realizou obra sonora a partir do samba-enredo da Beija-Flor e de texto de Trinta); poesia (o poema Lixo Luxo, 1965, de Augusto de Campos, é incorporado); cenografia (o mobiliário expositivo, a cargo de Edu Marin, inteiramente realizado a partir de painéis encontrados no espaço, abole o cubo branco e promove uma exposição-barracão). Um dos pontos altos é a arquibancada posicionada dentro da Sala Tarsila do Amaral, mirando para o exterior. A instalação de Edu Marin é o elemento mais forte do espaço, devido ao seu potencial de transformar o ambiente em praça, na medida em que possa ser usado pelos dançarinos que ocupam os corredores do CCSP. A linguagem da performance, central ao Carnaval, tem, portanto, a chance de acontecer espontaneamente aqui.

Embora o registro da performance Pancake (2001), de Marcia X, seja uma presença icônica que remete aos estados alterados do Carnaval, o trabalho afirmativamente performático da exposição é Os Pássaros (2019), concebido por Nuno Ramos especialmente para a ocasião. Disruptivo de paradigmas, o trabalho é um circuito de instalações construído para atrair os urubus da cidade, que, uma vez cooptados, se tornam correalizadores da obra. Nove anos após a polêmica em torno dos urubus mantidos na instalação-cativeiro da 29ª Bienal de São Paulo, Ramos trabalha com a possibilidade de comunicação com os pássaros, oferecendo-lhes comida, objetos, livros e discos a serem devorados em uma plataforma instalada no jardim contíguo ao espaço expositivo. Outro elemento da oferenda é um remix do clássico Os Pássaros, de Alfred Hitchcock, que também é brindado à visão do público da exposição. Os banquetes das aves são transmitidos em tempo real dentro da instalação.
Com as alegorias de Brasil ofertadas por Nuno Ramos ao público e aos urubus, efetiva-se o ciclo crítico da curadoria, que pretende pontuar a atualidade dos problemas brasileiros enumerados, em 1989, na avenida – a saber: a fome, o lixo, o desperdício – e exaltar a eterna utopia de uma sociabilidade coletiva.