Com lançamento marcado para 31/1, o livro Hackeando o Poder: Táticas de Guerrilha para Artistas do Sul Global, organizado pela Rede NAMI, reúne ensaios sobre táticas de guerrilha para artistas mulheres (cis, trans, negras, indígenas, periféricas) que desejam ingressar no sistema da arte. Com textos de Aline Motta, Amanda Carneiro, Keyna Eleison, Panmela Castro, Priscila Roxo e Rosana Paulino, a coletânea denuncia o racismo, as desigualdades, a violência de gênero e a LGBTQIAP+fobia sob uma perspectiva decolonial, além de apresentar ideias e meios para que jovens artistas das periferias possam se inserir no mercado e em espaços institucionais de arte.
Ao perceber que a decisão era pautada pelo privilégio branco, Parayzo traçou um plano de guerrilha com inserções específicas para cada mostra daquele ano, ignorando os processos de seleção. Em 28/2/15, cria um perfil fake da EAV onde publica o seguinte texto:
Instalação Secagem Rápida
“ATENÇÃO!!! Erro no sistema: obra de arte não higienizada e sem mediação mental detectada. A eav recomenda que ninguém entre no box do sanitário esquerdo do banheiro masculino (próximo à piscina) até que nossos funcionários retirem esses objetos agressivos, reais, marginais e de difícil vendabilidade por seu conteúdo impróprio, ou seja, não higienizados de nossas paredes. Fiquem tranquilxs. Está tudo sob controle, mesmo!”
No mesmo dia, durante a abertura da exposição Encruzilhada, cola em uma das cabines do banheiro da escola 17 fotos de seu ânus aberto, auxiliado por suas mãos. Em cada foto da série, intitulada Secagem Rápida (2015), suas unhas estavam pintadas com uma única cor. O trabalho foi censurado e durou apenas o período da vernissage. No dia seguinte, é ameaçada de demissão do posto de educadora por ter feito uma intervenção sem autorização.
O segundo ataque acontece no dia 20/6/2015, na abertura da mostra A Mão Negativa, com a distribuição de um fanzine feito com colagens de textos datilografados e imagens xerocadas. Nas primeiras páginas, a artista narra a censura de seu trabalho, agrupando imagens do trabalho no banheiro, uma citação de um texto crítico sobre a exposição Encruzilhada, que foi publicado na revista Dasartes e relatava a censura da obra, além de outros trabalhos sobre o tema, como Zona de Tensão, do artista Hudinilson Júnior, no qual ele escaneou o próprio pênis e escreveu embaixo da imagem escaneada “pinto não pode”, e também uma foto da pintura Não se Pode mais Falar sobre Tudo na Arte, do artista Victor Arruda, além de outras denuncias de ações segregadoras da instituição. Uma semana depois, Parayzo é demitida do posto de educadora, mas permanece como aluna bolsista até o final daquele ano.
Sua última e terceira ação se dá durante a abertura da terceira exposição da escola, colocando em prática seu novo projeto de performance, intitulado Fato-Indumento, uma ação que, junto de Augusto Braz, uniu experiências biográficas enquanto duas pessoas LGBTQIAP+ e as violências que suas identidades catalisam ao transitar nos espaços públicos.
No dia 8 /9/15, durante o vernissage de Quarta-Feira de Cinzas, Lyz Parayzo adentra a galeria da escola usando apenas uma calcinha de renda vermelha, com dois tijolos nas mãos, coloca-os no chão e sobe em cima deles como se fossem um par de saltos altos. Braz entra logo em seguida com uma bobina de papel manilha rosa e desenrola todo o papel pelo salão, ocupando o espaço com uma espécie de tentáculo rosa.
A artista fica duas horas em pé em cima dos tijolos no centro da galeria enquanto seu companheiro, com cola branca, molda o papel em seu corpo até tomar a forma de um grande vestido de festa. As pessoas à sua volta não sabem lidar com o caos: ”A curadora, filha de um crítico importante, não se conteve com a interferência e deu um chilique com um copo de espumante na mão, ao mesmo tempo em que o curador-assistente, um homem branco que se diz de esquerda, apagou a luz e gritou ‘Esse trabalho não faz parte da exposição. Parabéns, você é podre!’. Logo em seguida, o presidente da escola colocou as duas mãos próximas ao meu rosto e disse ‘Se você não sair por bem, você irá sair por mal, pois hoje é dia da curadora ‘tal’, enquanto a produtora gritava ‘Vai catar tudo!’. Foi uma verdadeira histeria coletiva e, diante de tudo isso, com muita tensão em todo o corpo, apenas me mantive imóvel sobre dois tijolos. Em algum momento, a frase de Frederico Morais, que dizia ‘E só diante do medo, quando todos os sentidos são mobilizados, há iniciativa, isto é, criação’ ecoou pela minha cabeça e, aí, tive certeza de que estava colocando em prática o que tinha aprendido”, escreve Lyz Parayzo.
O mundo da arte é perverso, hipócrita e elitista. Quantas histórias já ouvimos e seguimos ouvindo sobre casos de abusos físicos, psicológicos, de intolerância racial, de classe e gênero? Para alguns, que não estão inseridos no nicho do privilégio branco, colocar ”a boca no trombone” pode significar o fim da carreira. Num mundo em transformação constante, em que graças às deusas também começamos a testemunhar as histórias bem brasileiras sendo finalmente ditas, podemos almejar que, em lugar da violência silenciadora, as histórias possam ser ouvidas.