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Postado em 13/05/2024 - 2:18
Entre residências
Num exercício de escrita livre, Laryssa Machada, Vozes Agudas e Mídia Indígena reverberam as discussões presentes nos nossos encontros

Semanalmente, as integrantes da residência artístico-editorial da celeste irão compartilhar poemas, imagens, citações, emoções e pensamentos capazes de traduzir o que discutimos nos encontros semanais da residência. É uma forma de convidar as pessoas a acompanharem e participarem, interagirem, com o processo artístico-editorial das integrantes. Uma residência artística é muito representativa do processo artístico. Talvez possamos assemelhar ao processo de gestação – de um trabalho, de uma prática, postura ou ideia. Com o intuito de reverberar tantas ideias colocadas sobre nossa mesa virtual, João Victor Guimarães, o co-curador da residência, propôs às participantes uma prática que busca concomitantemente introduzi-las ao processo de publicação de um texto na celeste, e introduzir ao público o ambiente de pensamento que temos na residência artístico-editorial. Essa proposta que nasce como forma de tornar público os processos de pensamento, logo se mostra também uma prática do tema da nossa residência: crítica infraestrutural e/ou institucional. Veremos a seguir não apenas reverberações do que estamos discutindo, mas também discussões sobre a própria residência. Aos poucos se quebra a quarta parede.

passar por onde picasso passou
o prado
o pavilhão
paris
e pichar as paredes de púrpura”

(poema “exercício militar do cubismo”, de Sophia Faustino, em Nunca me esqueço que venho dos trópicos, 2022).

Quando direcionamos a crítica de arte para os sistemas institucionais que a fomentam, há de se ajustar nossos olhares para as dinâmicas de poder inseridas num espaço, físico e/ou simbólico: seu passado, seu contexto, os agentes ali presentes e, evidentemente, as vidas ali ausentes e reticentes… Os grandes espaços, materializados ou proferidos em linguagem, legados aos ditos “homens-heróis-geniais”, podem ser tocados, adentrados, ocupados, implodidos? Numa perspectiva de gênero, quais as intervenções possíveis diante de entraves, muros, paredes e labirintos de incentivo, de mercado e de informação? Há como andar nesse caminho e ainda assim transformá-lo?

O uso da palavra “implodidos” me lembrou o livro Implosão (Editora Hedra, 2017), organizado por Cíntia Guedes, Max Jorge Hinderer Cruz e Amilcar Packer, que entrevistou diversas autoras, relevantes pesquisadoras, ativistas, educadoras e artistas ativas na cena brasileira para “propor não somente uma atualização da cartografia de forças que Fichte fez no Brasil dos anos 1970, mas também uma contracartografia que permite emergir os limites da posição do alemão e ao mesmo tempo radicalizar as discussões e práticas nas quais enveredou em sua vida e escrita”. Isso porque os relatos de Hubert Fichte (1935-1986) abordavam visitas a terreiros de candomblé, banheiros públicos e cinemas, conhecidos como pontos de encontros homossexuais, de forma que se revelou fetichista, para dizer o mínimo. Como parte do projeto foram realizados dois seminários em março e novembro de 2016. O primeiro no Goethe-Institut, em Salvador, e o segundo no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, no Rio de Janeiro. A matéria principal dos seminários foi o livro Explosão – Romance da Etnologia, um romance autoficcional, experimental e metaliterário nascido das viagens de Hubert Fichte ao Brasil entre os anos de 1969 e 1982. Desses seminários surgiram duas mostras, uma no Museu de Arte Moderna da Bahia (7 de novembro a 17 de dezembro de 2017), em Salvador, e outra apresentada no Centro Municipal de Artes Hélio Oiticica (25 de novembro de 2017 a 13 de janeiro de 2018), Rio de Janeiro. 

Todo o livro traz relatos importantíssimos, como os de Vanessa Oliveira, Ayrson Heráclito, a participação do Coletivo Problema, Bonobando, Adriana Schneider, Negro Leo, Karla Suarez, Jota Mombaça, Matheus Ah, Indianare Siqueira, Diran Castro, Sérgio Ferretti e Michelle Mattiuzzi. Embora a participação de Diran, intitulada “Seus filhos também praticam”, seja uma das conversas mais contundentes que já li, no que se refere à misoginia, controle sexual e hipocrisias, destaco aqui a conversa com a Musa Michelle Mattiuzzi que se apresentou na página do Prêmio Pipa como “Ex-bancária, ex-recepcionista, ex-operadora de telemarketing, ex-auxiliar de serviços gerais, ex-cuidadora de crianças, ex-dançarina, ex-mulher, ex-atendente de corretora de seguros, ex-esposa, ex-aluna. Foi jubilada pela Universidade Federal da Bahia, por racismo institucional. Negra, escritora, performer, move-se com arte de modo indisciplinar”. 

Anotações sobre entrevista de Cíntia Guedes com a artista Musa Michelle Mattiuzzi, parte do livro Implosão (2017) [org. de Cíntia Guedes, Max Jorge Hinderer Cruz e Amilcar Packer, Editora Hedra].
Comentário de Paula Alzugaray no chat durante reunião da Residência Celeste