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Postado em 23/10/2013 - 5:20
Entrevista Danilo Santos de Miranda
Paula Alzugaray

“Teremos um mercado consolidado quando tivermos uma educação consistente no País”, diz Miranda

Danilo

Legenda: Danilo Miranda, foto Bob Wolfenson

Entrevista parte da série especial Mercado de arte

A inserção de artistas em coleções internacionais é uma prioridade para galerias. Por que elas ainda definem o nível de visibilidade de um artista e detém o poder da legitimação? O que falta para que o Brasil não precise da legitimação dos grandes centros?

Falta o Brasil construir seus valores nas artes. Os grandes centros dos quais sempre falamos são os centros que se abastecem de arte e que valorizam as artes desde sempre, como por exemplo, os EUA, a França, a Inglaterra, a Alemanha. Esses países se erigiram pelo valor simbólico que construíram desde sempre, ideais fundamentados nas artes. Tanto deram maus exemplos, saqueando alguns sítios históricos, quanto excelentes exemplos. Veja só a Comédie Française, foi criada na época do Rei Sol, tem 333 anos de atividade! O cinema americano, a música pop britânica, as maravilhosas e inúmeras orquestras da Alemanha. Além disso, veja bem onde temos museus irrepreensíveis no mundo. Se falarmos dos melhores cinco museus do mundo, em algumas listas, todos estarão entre EUA e Europa. Há quem considere Inhotim um dos cinco mais importantes do mundo, já é uma perspectiva otimista e ótima para o Brasil. As crianças dos EUA e da Europa vão aos museus, a educação leva aos museus e lá eles aprendem a olhar, mas também a falar baixo, a andar manso… São valores que respeitam os lugares das artes e as artes acabam tendo lugar dentro das pessoas.

Em sua opinião, o que dá sustentabilidade à tendência de crescimento e de internacionalização do sistema de arte?

Normalmente, para todos os trâmites artísticos, o que complica a transação comercial, seja ela com finalidade de interesse público ou particular, para expor num museu ou para comprar para sua coleção particular, é o fato de que os impostos são altos e todo mundo reclama que não há incentivo para investir em arte. Porém, a pessoa física que investe em arte é quem realmente tem renda, então um imposto de renda de 15% sobre o valor da obra de arte não parece alto se os impostos fossem bem aplicados… Na Inglaterra me parece que os impostos não ultrapassam 5%, o que dá pra perceber porque lá tem casas de leilões como Christie’s e Sotheby’s, além de terem um sólido sistema que privilegia as obras de arte que ficam no país. Nós não temos política pública que incentive que o patrimônio criativo seja constantemente alimentado e tampouco temos política pública que faça com que nós mesmos consumamos o nosso produto e que ele permaneça no território nacional, como no caso da Inglaterra. A sustentabilidade, portanto, é rever toda a parte legal de uma política pública que pode se fazer em prol dos artistas e como incentivo do trabalho criativo e da manutenção do patrimônio cultural.

Por que é (ou não) importante “transformar o artista em empresário”? (Segundo a pesquisa, 30% dos 1000 artistas representados por 44 galerias possuem empresa e passam NF).

Não acho importante o artista ser empresário de si mesmo. Acho importante ele entender quais são os pormenores da relação entre sua criatividade e o mercado. Se ele quer viver da sua arte, tem de entender como esse mercado funciona. Mas isso é como qualquer outra profissão: se você não entende como o mercado de sua profissão funciona, como poderá estar seguro com quem está comprando sua força de trabalho? A relação de confiança se estabelece entre artista e galerista não se dá porque o galerista será o redentor do artista ou porque o artista não sabe sê-lo, mas ele serve para que o artista tenha tempo para exprimir a sua criatividade. É muito simples entender que cada um tem o seu papel e cabe nesse papel com todas as expertises que lhe competem.

Em sua opinião, qual a maior fragilidade de nosso sistema?

A fragilidade é não termos uma política pública que realmente consiga fazer com que a produção brasileira seja um expoente por ela mesma. Hélio Oiticica ou Lygia Clark são exemplos de uma produção brasileira que teve fomento interno e foram valorizados dentro e fora do Brasil. A sistematização dos museus no exterior reflete instituições brasileiras. A fragilidade é não tratarmos o tema com seriedade. Mas temos bons exemplos de que há gente interessada e séria nesse cenário. Veja a Bienal, que tem um trabalho educativo de prestígio e pretende, no ano que vem, ter vários brasileiros que se destacaram ao longo das 30 edições da segunda mais antiga Bienal do mundo. É uma ideia muito bonita, bastante poética, muito respeitosa.

Sobre qual dos dois grandes nós para o desenvolvimento do setor você se sente mais à vontade para comentar: a alta carga tributária e a burocracia? Ou a ausência de políticas públicas para a formação de acervos?

Ah, sem dúvida a falta de políticas públicas. Por mais que eu acredito no mérito do colecionador, minha causa é pelo interesse público, eu advogo para que haja a democratização do acesso e não um cerco fechado que cada vez menos pessoas conheçam as obras de arte.

O que, do seu ponto de vista, determina o preço de uma obra?

A obra de arte é notória por ter seu valor atribuído subjetivamente. Não há uma associação de valores por similares no mercado, a não ser que sejam obras de um mesmo artista, então, seu preço é avaliado segundo suas próprias obras. Um conjunto de variáveis forma um valor possível para uma obra de arte: a opinião dos críticos, juntamente com a venda de suas obras, adicione a isso a superexposição de um artista ou um bom momento do criador com exposições individuais, internacionais, galerias prestigiadas, uma recente compra por um colecionador renomado, enfim, o preço de uma obra é sempre um preço possível que um bem intangível e de vigor possa ter naquele momento – porque o tempo também é um fator imprescindível para a valorização ou não da obra. Eu acredito que o preço da obra é esse ponto central para onde convergem essas variáveis. Pode ser um pensamento neutro, mas também é uma maneira democrática de deduzir que nessa seara há muitas mentes que influenciam no preço final. E se há democracia nesse processo, provavelmente também há justiças sendo feitas.

Próxima entrevista: Jac Leirner