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Postado em 13/12/2012 - 4:57
“A arte não deve tocar flauta para a Revolução”
Juliana Monachesi

Curador da Bienal de Veneza 2013 defende o interesse na artificialidade, em superfícies sedutoras e em tecnologia digital, e recusa arte que ilustra uma agenda política

Massimiliano Gionni

Legenda: Foto: Marco de Scalzi / divulgação Foto da capa: DomusWeb)

Curador da próxima Bienal de Veneza, o italiano Massimiliano Gioni passou rapidamente por São Paulo no início de setembro e falou à seLecT sobre o papel das grandes mostras – que ele confessou amar – e também sobre o que mais o apaixona no Brasil – a arte e as capivaras. Leia a seguir a entrevista, que começa por um balanço da marcante curadoria que ele assinou, com Laura Hoptman e Richard Flood, na inauguração, em 2007, da nova sede do instigante New Museum, em Nova York, onde vive e trabalha.

Cinco anos após a exposição Unmonumental, no New Museum, você ainda concorda que a arte do sécu lo 21 é definida por características low key e low profile?

Tenho de, em primeiro lugar, esclarecer que o título e o conceito daquela exposição vieram, sobretudo, da minha colega de curadoria naquele momento, Laura Hoptman. Acho que ela cunhou um grande termo – unmonumental – que vai, obrigatoriamente, ficar e resumir belamente um momento muito preciso da arte recente. Obviamente, hoje ainda existem muitos artistas que trabalham com essa sensibilidade, e muitos dos artistas incluídos naquela exposição estão fazendo trabalhos fantásticos. Mas, se você me perguntar se a arte de hoje é ainda low profile (para resumir muito rapidamente), diria que as coisas mudaram um pouco. E é uma mudança que já registramos no New Museum com outra exposição, a nossa primeira trienal, provocativamente intitulada Younger Than Jesus, que olhou para o trabalho de uma geração de artistas nascidos por volta de 1980, que foram muitas vezes referidos como os millenials. Bem, entre aqueles artistas eu acho que notamos um interesse na artificialidade, em superfícies mais polidas e sedutoras, em tecnologia digital: o interessante é que, hoje em dia, mesmo as tecnologias e materiais mais futuristas estão amplamente disponíveis, de modo que temos essa situação estranha, em que os artistas ainda estão trabalhando com materiais muito básicos,
mas o resultado parece muito mais produzido e acabado do que o dos “artistas unmonumental” que incluímos em nossa primeira exposição.

Qual a sua posição sobre o impacto nas artes do horizonte político que emerge com a Primavera Árabe?A segunda trienal do New Museum, The Ungovernables (2012), apresentou alguns trabalhos que tinham relação direta com o Occupy Wall Street ou com os levantes no mundo árabe. Em sua opinião, eventos históricos reverberam depressa na produção contemporânea ou são algo a detectar anos depois (e de forma mais complexa), como você e os demais cu radores da mostra Unmonumental fizeram em relação ao 11 de Setembro?

Crescendo na Europa, você aprende muito cedo uma bela citação de Elio Vittorini, um intelectual de esquerda e escritor que teve um papel crucial na formação da vida cultural da Itália após a Segunda Guerra Mundial. Ele, famosamente, afirmou que a arte não deve tocar flauta para a Revolução: em outras palavras, a arte não pode e não deve ser a ilustração de uma agenda política. Ela tem outras maneiras de promover a mudança política e cultural e, às vezes, a mudança política afeta a arte depois de muitos anos e vice-versa. Ou a arte pode afetar a mudança
política por meio de revoluções formais, em vez de políticas. Então eu acho que precisamos ter cuidado e não fazer ligações diretas entre a Primavera Árabe e mudanças na arte contemporânea. Com certeza, temos testemunhado uma incrível onda de arte nova do Oriente Médio e do mundo árabe, e diversos grandes artistas daquelas regiões passaram a ser notados por um público bem mais amplo. Mas seria simplista dizer
que esses artistas são um produto dos levantes árabes. Afinal, eles também são o produto de uma nova economia de arte do mundo, que tem fortes laços e sustentação no Golfo.

Qual foi a sua participação na criação da trienal do New Museum? Qual é, em sua opinião, a relevância de bienais, trienais e demais mostras periódicas de vocação prospectiva no contexto da arte hoje?

Eu tive a honra e o ônus de fazer a curadoria de várias bienais (da Manifesta, em 2004 à Bienal de Berlim, em 2006, a Bienal de Gwangju, em 2010, uma pequena seção da Bienal de Veneza em 2003, e a Trienal do New Museum, em 2009). Portanto – ao contrário de muitos colegas e muitos críticos –, posso dizer que sou um grande fã de bienais, porque elas permitem que você crie exposições em uma escala que hoje nenhum
museu permite. Pessoalmente, acho que é importante lembrar que bienais são lugares onde deveríamos fazer o que não podemos fazer em outro lugar. Então, eu não estou tão certo de que elas sejam sobre capturar o zeitgeist: elas também são ferramentas maravilhosas para tentar abordar questões que vão muito além do presente e olhar para a arte a partir de uma perspectiva bem mais ampla.

Finalmente, o que você achou da Bienal de São Paulo? Foi a primeira vez que visitou a mostra brasileira? Qual o seu conhecimento e interesse na arte brasileira?

Estive um par de vezes no Brasil, particularmente em São Paulo, que é uma das minhas cidades preferidas na América do Sul. Eu amo a Bienal de São Paulo, por causa de sua escala e da arquitetura em que tem lugar (que é uma arquitetura difícil, mas contra a qual deve ser um grande privilégio trabalhar). Então eu volto a São Paulo para a Bienal sempre com grande entusiasmo. E há outros ótimos lugares que eu amo no Brasil. O Inhotim desenvolveu uma das experiências mais originais e radicais em museologia hoje. E em Belo Horizonte vivem meus animais favoritos no mundo, as pacas e as capivaras, especialmente as que ficam na lagoa do mesmo lado dos edifícios de Niemeyer. Assim como aquelas capivaras, eu fico olhando para a arte brasileira com espanto e com um senso estupefato de curiosidade.

*Publicado originalmente na edição impressa #08, outubro de 2012.