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Postado em 10/11/2014 - 4:55
A Bienal como diplomacia geopolítica
Angélica de Moraes, de São Petersburgo

Manifesta 10 reafirma, na Rússia, os ideais de convivência pacífica entre nações pela via cultural

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Legenda: Detalhe da instalação Abschlag, de Thomas Hirschhorn, no início do percurso expositivo da Manifesta 10 (foto: Angélica de Moraes)

Poucas vezes na já longa história das bienais de arte contemporânea ficou tão evidente o objetivo de diplomacia geopolítica do que na Manifesta 10, em São Petersburgo (Rússia). A motivação oficial é a comemoração dos 250 anos do Museu Hermitage, um dos mais importantes e extensos acervos de arte de todos os tempos reunidos no planeta. O evento assinala também a longevidade de um projeto de bienal nômade, realizada em uma capital diferente a cada edição, que surgiu em 1994, na esteira da queda do Muro de Berlim e no desejo de uma nova utopia de convívio pacífico pan-europeu.

Irônico, claro, que esta Manifesta ocorra quando o atual governo russo restaura sonhos imperiais e ações militares veladas ou explícitas contra nações independentes, visando recuperar territórios que pertenceram à União Soviética. É contexto incômodo para os organizadores da Manifesta, instituição com sede administrativa na Holanda e longa lista de eventos realizados por curadores de prestígio. O ótimo resultado da mostra, porém, demonstra que o desafio foi vencido com brilho.

Na entrevista coletiva, realizada na entrada da nova ala do Museu Hermitage, belamente redesenhada pelo arquiteto holandês Rem Koolhaas, a intrépida Hedwig Fijen, diretora-fundadora da Manifesta, assinalou: “Acreditamos na resolução dos conflitos do nosso tempo pela via da civilidade e da cultura”. Ela reafirmou “a permanência do ideário que nos fez criar a Manifesta, há 20 anos, para agir contra uma Europa separada, algo que agora se apresenta mais do que nunca como objetivo importante”.

A curadoria da Manifesta 10 é do alemão Kasper König, que organiza a prestigiosa mostra ao ar livre Sculpture Projects a cada dez anos na cidade alemã de Münster. König frisou que “o tema desta bienal na Rússia é o papel civilizatório da coleção e do museu no século 21”. Um tema que ele desenvolveu integrando parte do elenco estelar de artistas contemporâneos (Francis Alÿs, Bruce Nauman, Gerhard Richter, Wolfgang Tillmans, Pavel Pepperstein, Thomas Hirschhorn, Marlene Dumas e Rineke Dijkstra, entre outros) a algumas joias do acervo do Hermitage. Destaque especial para as dezenas de telas de Henri Matisse, além de obras históricas de Kazimir Malevich e outros tesouros ao longo do percurso por quatro andares. O elenco soma 53 nomes, a maioria com diversas obras.

A Manifesta 10 tem extenso programa de eventos, com performances, palestras e mostras paralelas. Uma delas, Apartment Art como Resistência Doméstica, faz exposições trocadas diariamente, espelhando a vigorosa produção emergente. A edição russa da Manifesta inseriu-se, assim, na tradição de diálogo cultural estabelecida pela cidade de São Petersburgo desde a sua fundação, em 1703, por Pedro, o Grande. Uma cidade de urbanismo francês ecoando Haussmann em seus largos bulevares e amplas avenidas. Uma cidade que, capital do império russo por 200 anos, foi e continua sendo a porta de entrada da cultura ocidental naquela fatia do mapa.

*Review publicado originalmente na edição #20