Uma entrevista com a arquiteta Gabriela Celani, que conduz o laboratório de Automação e Prototipagem para Arquitetura e Construção (Lapac)
A arquiteta Gabriela Celani conduz o laboratório de Automação e Prototipagem para Arquitetura e Construção (Lapac) da Unicamp, em Campinas, um centro de pesquisa e educação onde se experimenta a automatização desde o projeto arquitetônico até a produção. Frequentado por alunos e professores, tem equipamentos para várias etapas da fabricação digital: cortadora a laser, impressoras 3D, scanners e termoformadora para maquetes. Mestre pela FAU-USP e Ph.D. pelo MIT, Celani é também livre-docente pela Unicamp e pós-doutora pela Universidade Técnica de Lisboa. Prepara-se para, em 2013, fazer um mapeamento dos escritórios de arquitetura e empresas que estão usando a fabricação digital aplicada ao edifício no estado de São Paulo.
No Brasil, a fabricação digital é usada na arquitetura?
Gabriela Celani Não faltam equipamentos no parque industrial brasileiro, mas os arquitetos não sabem que as indústrias têm as máquinas e não sabem utilizá-las. As indústrias não sabem que usos podem fazer. Por aqui, o emprego do 3D se resume à fase de projeto. Falta ainda a conexão entre o projeto e a produção. Ainda há muito que fazer, principalmente, no ensino. Muitos arquitetos ainda ignoram as novas tecnologias. Na Europa, a indústria da construção civil já está preparada para receber arquivos digitais em 3D para desenvolver peças de construção.
Qual seria a principal contribuição da fabricação digital para a arquitetura?
Celani O desenvolvimento de uma produção de mais qualidade e a eficiência. No design, a indústria moveleira do Sul e o setor automobilístico já incorporaram. E abre-se um novo tipo de emprego para os arquitetos, que é fazer a transição entre o escritório de arquitetura e a fábrica. O arquiteto como um tradutor que consegue, a partir do desenho de outro arquiteto, estudar e colocar as especificações num arquivo para que as máquinas possam ler.
Nos próximos cinco anos, para onde esse uso vai se expandir?
Celani A fabricação digital vai proporcionar peças mais personalizadas e tratamentos mais artísticos aos materiais. Nas fachadas e na arquitetura de interiores vai haver grande desenvolvimento, porque a fabricação digital permite que se tenha um rebuscamento de formas. Essas formas foram erradicadas no Modernismo e na arquitetura minimalista por motivos ideológicos, mas também pela questão do custo, pois implicavam processos artesanais interferindo muito no preço.
Em que países a fabricação digital é mais utilizada?
Celani Estados Unidos, Japão, Europa, Austrália e China. Na América do Sul, em países como Colômbia, Peru e Brasil. É uma tendência que tem uma característica importante – a ligação com as universidades. No mundo todo, nesse setor, há cooperação entre a universidade e a indústria.
Quais são as tendências e os projetos mais inovadores nessa área?
Celani A construção caminha para a industrialização. Numa primeira fase, peças standard e, na segunda fase, a personalização em massa, que é a fase mais avançada. O uso da robótica está avançando. Diversas indústrias automotivas estão aposentando braços mecânicos, que são “reeducados” para trabalhar na construção civil. E são desenvolvidas ferramentas diferentes para acoplar a esses braços mecânicos. Um dos casos mais emblemáticos é o da parceria entre o escritório suíço Gramazio e Kohler e a Faculdade de Arquitetura ETH, de Zurique, na construção de estruturas de tijolos com formas variáveis. O braço robótico pega cada tijolo, passa cola e empilha. Foram experimentadas várias formas de empilhamento, algumas sinuosas. Conseguiram fazer paredes e pilares formados por tijolos com desenhos supersofisticados. E algumas dessas estruturas resultaram na pré-fabricação de pilares.
Você acha que estamos vivendo uma terceira Revolução Industrial?
Celani Sim. Com a segunda revolução veio o fordismo, a produção em série, produtos idênticos para baixar os custos. Nesta terceira Revolução Industrial, eles podem ser diferentes. É interessante, porém, apontar um gargalo.
Quem vai desenhar todas essas formas?
Celani Antes era necessário pensar muito e chegar a um bom projeto. Agora temos de pensar muito e chegar a um sistema generativo de projetos, que é um sistema capaz de gerar combinações. Ou seja, para cada desenho que venha a ser customizado precisa haver antes um planejamento de todas as variações que se quer disponibilizar. Essas variações ou personalizações podem ser feitas por valores gerados ao acaso ou pela vontade de um usuário. A cadeira de Guto Requena é um exemplo desse sistema. Ela tem um parâmetro – a cadeira antiga – e abre uma variável, que no caso é aleatória, como a música ou o ruído. No lugar da música poderia ser um usuário a incluir modificações.
E como ficam os direitos autorais?
Celani Não vamos mais poder trabalhar com a ideia de patente de objeto único, como foi um dia. Talvez possamos pensar em patentes de sistemas geradores de desenho. É uma nova maneira de pensar a autoria.
*Publicado originalmente na edição impressa #9.
*Mara Gama é jornalista com especialização em design. É consultora de qualidade de texto da Folha de S.Paulo. Participa de comissões julgadoras de diversos prêmios de design no País. Fez parte da direção editorial do portal UOL.
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