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Postado em 29/09/2011 - 9:20
Amantes das citações
Paula Alzugaray

Em Dublinesca, Enrique Vila-Matas promove um funeral para uma era que desaparece e faz elogio da escritura hipertextual

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Instalação TH -2058, obra da artista Dominique Gonzalez-Foerster na Tate Modern

Um editor aposentado sente-se subitamente envolvido por uma estimulante atmosfera de preparativos para viajar a Dublin. Samuel Riba pretende ir à capital irlandesa tomar parte de um cortejo fúnebre. Talvez o mesmo que conduziu Bloom até o cemitério de Glasnevin, em 16 de junho de 1904, no sexto capítulo de Ulysses, de James Joyce. Mas talvez ele se dignifique a seguir outro cortejo – o de uma prostituta –, dentro de um poema de Philip Larkin.

Riba elege as figuras da prostituta e de Ulysses – o romance considerado o cume da era da imprensa – para celebrar um réquiem pela era de Gutenberg. Riba é um duplo do escritor Enrique Vila-Matas. Mais um deles. Um dos autores mais premiados e traduzidos da Espanha atual, o catalão Vila-Matas tem uma atividade literária que certamente não compactua com o alarme da morte dos livros, das editoras ou dos autores. Mas como a literatura  contemporânea é a grande protagonista de seus livros, ele não poderia deixar de se posicionar historicamente, quando muito se especula acerca de suas pequenas mortes.

Riba é, então, um editor afastado de seu ofício, que hoje passa os dias diante do computador, dividido entre o Google, sua biblioteca e os fantasmas de seu catálogo de títulos. Na preparação do funeral em que vai “se despedir dignamente da gloriosa e liquidada era de Gutenberg”, tece um manto de referências que é uma verdadeira galáxia. Para além de Joyce, navega por Paul Auster, Siri Hustvedt, Saul Bellow, Godard, até os irlandeses, célebres ou não, como Samuel Beckett e Brendan Behan. Em dado momento, Riba se pergunta se acaso um editor não vem a ser como um ventríloquo que cultiva em torno de seu catálogo as vozes mais variadas.

Nesse emaranhado de citações, destaca-se Dominique Gonzalez-Foerster, evocada pelo editor muito provavelmente para dar o tom cinzento e chuvoso de seu destino. Ribas lembra a ficção que a artista francesa montou em forma de instalação na Tate Modern. Gonzalez-Foerster criou um ambiente para receber refugiados de uma tempestade que teria consumido Londres durante anos a fio e levou uma seleção de esculturas, filmes e livros. Como Vila-Matas, uma grande amante das citações. Dublinesca afirma-se, afinal, como citação de Ulysses não só pela viagem a Dublin, mas porque investe
em jogos de palavras, referências históricas, estilísticas e literárias. Exatamente como Joyce faz. 

Vila-Matas identifica em Riba um “eu plural” que, afinal, remete à Galáxia de Gutenberg (1960), de Marshal McLuhan, que antes da invenção da internet, afirmava que a maneira linear de pensar estava em via de ser substituída por um modo mais global de percepção. O modelo de texto gerado por esses meios seria o de uma galáxia. O livro de McLuhan é a definitiva citação de Vila-Matas, em Dublinesca, e sua escrita hipertextual vem festejar o enlace entre a Galáxia de Gutenberg e o Google.

Dublinesca
Enrique Vila-Matas
CosacNaify, 2011,
320 págs., R$ 55