icon-plus
Postado em 24/08/2012 - 7:20
Arte atrás da webcam
Nina Gazire

Uma nova geração de críticos está quebrando fronteiras entre as galerias e o videojornalismo online

O vídeo How To Be a Successful Black Artist (Como se Tornar Um Artista Negro de Sucesso), de Hennessy Youngman, aconselha, com ironia, jovens artistas afrodescendentes a usarem de todos os estereótipos possíveis para adentrar o “mundo branco da arte”.

Hennessy Youngman é um personagem do artista nova-iorquino Jaysson Musson. Nascido no Bronx e criado em uma comunidade de imigrantes jamaicanos, é fotógrafo e recentemente concluiu um mestrado em pintura pela Universidade da Pensilvânia. Foi durante esse período que ele criou a persona mais inusitada do circuito da crítica de arte no mundo virtual: um rapper que usa gírias da cultura hip-hop para explicar aos leigos os cânones e as teorias mais herméticas da arte contemporânea. A alcunha Hennessy Youngman tem origem em termos distintos. O nome Hennessy advém da marca de conhaque francês Hennessy – bebida popular entre os fãs de rap em Nova York – e Youngman é uma homenagem a Henry Youngman, comediante famoso nos anos 1950 por criar piadinhas rápidas.

A ideia de juntar mundos distintos, o do hip-hop e o da arte contemporânea, foi uma consequência natural para o artista. “Sou fruto da música rap. Isso moldou a minha educação, eu produzo rap e tenho uma relação com profissionais desse estilo musical. Quando concebi pela primeira vez o Hennessy, eu sabia que ele deveria ser um comediante estilo stand-up afrodescendente. Elaborado a partir de uma miríade de negros comediantes que vieram antes, Paul Mooney, Richard Pryor, Chris Rock, Dick Gregory, esse tipo de personagem chamaria atenção por ter preocupações com a esfera da arte”, explica.

Foi em 2010 que Musson criou seu canal de vídeos no YouTube, denominado Art Thoughtz (“Pensamentoz da Arte”, em tradução livre). Conceitos como estética relacional (de Nicolas Borriaud), pós-estruturalismo (marca da filosofia francesa dos anos 1980) e artistas como Josef Beuys, Bruce Nauman e Damien Hirst são alguns dos temas tratados pelo rapper-crítico de arte de maneira jocosa e cheia de gírias, porém não necessariamente de modo incorreto. A vontade de explicar para os leigos as entranhas do mercado e teorias da arte tem a ver com o próprio passado de Musson, que desconhecia grande parte dos conceitos até entrar na faculdade. “Para mim, o mestrado tem sido útil na medida em que me permitiu vislumbrar uma cultura que eu pensava que era ridícula. Deu-me uma nova criatura para observar”, ele revela.

Usando uma webcam para gravar seus comentários, ao longo de dois anos Youngman já estrelou mais de 20 vídeos com mais de 800 mil visualizações ao todo. Seu público é composto, em grande parte, de pessoas do próprio mundo da arte. Estudantes, curadores e até profissionais de grande calibre, como o artista e curador italiano Maurizio Cattelan, tornaram-se fãs dessa espécie de guru hip-hop do mundo da arte.
Ao usar o aparato teórico para dar uma visão mais acessível da arte contemporânea, Youngman introduz sua própria opinião sobre as desigualdades econômicas, de gênero e, principalmente, sobre a desigualdade racial no mercado de arte. Seu vídeo How To Be a Successful Black Artist aconselha, com ironia, jovens artistas em uma vizinhança que exclui muitos artistas, e me pareceu que as pessoas estavam se divertindo muito. Na verdade, parecia mais uma festa do que a abertura de uma exposição”, reflete Hennessy Youngman, que, durante a abertura da mostra, recebeu a visita de Loren Kalm, personagem crítico de arte criado pelo artista Loren Munk, que visita as galerias de Nova York montado em uma bicicleta e munido com uma câmera na mão.

Quando o artista americano Munk decidiu criar o alter ego James Kalm, a internet estava começando a engatinhar. Até então, Munk fizera certo sucesso como grafiteiro e pintor “fundador do estilo neocubista”, na década de 1980. Nessa época, chegou a expor no Brasil, mas logo foi vítima da crise financeira provocada pelo colapso da Bolsa em 1989. A carreira, que em 1981 fora catapultada ao ser preso por grafitar, enfrentou um declínio vertiginoso.

Munk sentia necessidade de emitir sua opinião como alguém que fora expulso de dentro da bolha de status do mundo da arte, mas sentia que, se o fizesse como um artista assumido, correria o risco de ser encarado como mais um membro do “clube dos frustrados”. “Quando de partida já se sabe que um pintor também é escritor, seu trabalho torna-se suspeito. Por que escrever se você é um pintor reconhecido? Como forma de voltar para o circuito, decidi começar a escrever crítica de arte com um nome falso”, explica ele, que resolveu revelar a identidade secreta há pouco tempo.

Legenda: O artista Loren Munk é mais conhecido pelo seu personagem o videocrítico James Kalm

Antes de tornar-se famoso na internet por seus canais de vídeo James Kalm Report e James Kalm Rough Cut, nos quais registra com uma câmera digital vernissages e exposições de Nova York, Munk começou a publicar, sob o pseudônimo James Kalm, suas visões sobre a cena nova-iorquina. “Mantive minha prática crítica e minha identidade secreta como James Kalm nos primeiros dez anos. Eu documentava e fotografava as exposições muito tempo antes de começar a filmá-las”, comenta. Tudo mudou com o YouTube e a compra de uma câmera em 2006. “O YouTube estava apenas começando e então pensei que poderia usar a internet para fazer crítica de arte de uma maneira nova”, diz o videocrítico, que percorre as galerias de Nova York diariamente em sua bicicleta.

Ao retirar sua identidade de campo e colocar-se apenas como um narrador do qual desconhecemos o rosto, Kalm evoca uma intimidade típica dos meios digitais, em que o anonimato acaba por gerar uma aproximação. “A maioria das pessoas me conhece apenas como James Kalm, ‘o cara da bicicleta’, o que é bom. Eu gosto de ter duas identidades, embora James Kalm ainda seja bem mais famoso que Loren Munk”, explica o artista, que, devido ao sucesso de seu personagem, frequentemente é convidado por curadores a realizar registros de aberturas de exposições e que, em dezembro do ano passado, graças à fama de James Kalm, ganhou um review positivo do New York Times de sua mais nova exposição.

*Publicado originalmente na edição impressa #6.