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Postado em 30/10/2014 - 7:05
Atlas revisitado
Guilherme Kujawski e Paula Alzugaray

Artistas elaboram cartografias imaginárias e ideológicas em três exposições na cidade de São Paulo

Al-idrisis_world_map

Legenda: Tabula Rogeriana (1154), de Muhammad al-Idrisi (nota: o sul está no topo e o norte na parte inferior)

O artista chinês Qiu Zhijie rabiscou um monumental mapa na rampa de entrada da Bienal de São Paulo, uma representação imaginária do que seriam reinos ideológicos e domínios filosóficos. Na mesma toada, dois outros artistas também modelaram cartografias fictícias em duas exposições seminais na cidade de São Paulo. Enquanto o afro-americano Hank Willis Thomas conecta dois continentes separados por histórias raciais na exposição Histórias Mestiças (que ficou em cartaz no Instituto Tomie Ohtake até cinco de outubro), Jonathas de Andrade separa o Chile do continente sul-americano na mostra Memórias Inapagáveis, em cartaz no Sesc Pompéia até 30 de novembro. Se Zhijie assume um viés quase borgiano, alteridades ideológicas encontram-se por meio de uma imaginária deriva geológica na obra de Thomas, assim como ativistas políticos provocam, no trabalho de Andrade, um movimento tectônico fictício para salvaguardar o reino criollo.

Andrade

Legenda: Imagem: cortesia Galeria Vermelho

Jonathas de Andrade

Projeto Pacifico, 2010

Catástrofes naturais e revisionismo histórico se encontram na videoinstalação do artista alagoano, composta por um mapa alterado da América do Sul, fotografias documentais, depoimentos e uma animação em super-8 com maquetes de papel. O recurso especulativo, beirando à ficção científica (impossível não citar a divisão da Califórnia por um terremoto na célebre trilogia Bridge do escritor cyberpunk William Gibson) é eficaz ao contrapor um trauma geofísico – o violento sismo que separou o Chile da América do Sul, transformando o país em uma ilha no Pacífico – e outra experiência traumática, a perda do mar da Bolívia com a Guerra do Pacífico (1879-1884), tudo pontuado com a propaganda política da ditadura militar chilena imposta pelo governo Pinochet. GK

Hankwillis

Legenda: Foto: cortesia Jack Shainman Gallery

Hank Willis Thomas

A Place to Call Home (Africa-America), 2009

Mapas são representações de ideologias. No século 19 os cartógrafos figuravam os povos a partir de um olhar etnocêntrico: a Europa no meio e o resto nas laterais. No século 12, o geógrafo árabe Muhammad al-Idrisi enfrentou à contre-temps o umbigo do mundo e representou, em sua Tabula Rogeriana, o norte no lugar do sul e vice-versa. De maneira semelhante, o artista afro-americano Hank Willis Thomas retoma novamente as rédeas dos povos oprimidos ao conectar a América do Norte com a África, fazendo uma releitura da narrativa racial comum, na qual as visões de mundo das sociedades “desenvolvidas” se encontram em oposição com as das sociedades “subdesenvolvidas”. GK

Zhijie

Legenda: Foto: Ding Musa

Qiu Zhijie

Map, 2014

Artistas chineses têm um pendor para a cartografia. Para a 26ª Bienal, Song Dong havia confeccionado um mapa-múndi de balas degustadas pelo público e Ai Wei Wei já traçou mapas da China em materiais diversos. Exímio calígrafo, Qiu Zhijie também é adepto dessa linguagem que, em seu caso, é aplicada à visualização de lugares imaginários ou inexistentes. No Mapa exposto na 31ª Bienal, Zhijie trabalhou com coisas que existem e que não existem. No mural pintado à mão ao longo de toda a parede da primeira rampa, o mundo é reinterpretado a partir das vizinhanças entre seus dogmas, ideologias e grandes linhas de pensamento. No Golfo da Anarquia, por exemplo, está localizada a Ilha Sem Lei. Em uma das extremidades da Montanha Liberalismo – que tem forma mais de cordilheira que de montanha – situa-se o Vulcão Banco. Ao sul da República de Platão está o Túnel da Coletividade. Mao, Trotski, Stalin e Lenin são cidades conectadas por uma autoestrada. No grande continente central convivem o catolicismo, o islamismo e o judaísmo e as doutrinas new age. E, no Polo Norte, um continente etéreo destina-se aos deuses dos recursos naturais, como o vento, a chuva, o Sol e as colheitas. Todas as aproximações muito bem-vindas no contexto de uma exposição que reflete sobre zonas de conflito e de ideologias extremistas. PA

*Matéria produzida a partir de conteúdos publicados na edição expandida e impressa #20