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Postado em 11/11/2011 - 7:10
Colombo não descobriu a América
Carla Pernambuco

Precisamos ser muito gratos aos astecas, maias e incas. Esse trio elétrico fez a cultura culinária deste planeta ganhar mais sabor, graça e escolhas

Comida

Foram os astecas, os maias e os incas que mudaram a culinária do planeta, muito antes de os europeus desembarcarem no novo mundo, existia nas Américas o esplendor das civilizações asteca, maia e inca. Historiadores atuais afirmam que os chineses, por volta de 1421, já haviam entrado em contato com esses povos nativos, de quem levaram para a Ásia frutos e legumes desconhecidos.

Os europeus insistem que Colombo foi o primeiro estranho a pisar por aqui, em 1492. O fato é que os espanhóis esmagaram três culturas originais, sofisticadas e, em muitos aspectos, superiores aos toscos princípios ibéricos. Destruíram milhões de pessoas em nome do Cristianismo, em episódios sangrentos.

Aqui vamos nos deter apenas no imenso legado gastronômico daqueles povos que cultuavam o sol e que desenvolveram soluções agrícolas espantosamente modernas. Por habitarem trechos da América Central com climas adversos, os astecas e maias exploraram aspectos botânicos que beneficiaram toda a humanidade. Na América do Sul, os incas desenvolveram, em regiões de altitude, uma agricultura de sabores e aromas. A essas civilizações devemos o chocolate e especiarias como a baunilha, frutas como o abacate e o abacaxi, sementes como o feijão e o amendoim, cereais como o milho e a quinoa, legumes como a abóbora e o tomate, raízes como a mandioca e tubérculos como a batata. Dá para entender que, sem os incas, maias e astecas, a comida do mundo seria muito sem graça?

Pelo somatório de delícias que mudaram a dieta do planeta, a Europa pensava estar conquistando o paraíso. Existem muitos estudos sobre essas descobertas e sobre a dieta daqueles povos pré-colombianos. As etnias brasileiras absorveram suas influências pelas bordas. Permanece definitivo o livro As Primeiras Cozinhas da América, da antropóloga Sophie D. Coe. Partindo de suas observações, escolhemos cinco exemplos para comentar aqui: milho, tomate, mandioca, batata e abacaxi.

Astecas e incas acreditavam ser o milho a seiva da vida. Os conquistadores nunca haviam visto uma espiga e a classificaram como um tipo de trigo. Carboidrato de grande importância, era alimento básico e cultuado nos templos. De sua farinha, produziam pães, mingaus e broas. Estima-se que, apenas no Peru, ainda existam mais de cem variedades de milho, em diversas cores, formatos e sabores.

O tomate, hoje, é um fruto de consumo universal. O termo tomatl vem dos astecas e significava “coisa gorda com umbigo”. Na verdade, eles chamavam pelo mesmo nome vários outros frutos, tornando esse estudo de arqueologia culinária amplo e complicado.

A mandioca é a raiz que moveu as Américas e o Caribe, tornando-a obrigatória em todas as etnias nativas. Arbusto que cresce com facilidade, sem uso de sementes, é alimento adaptável a receitas como tortilhas, tapiocas, bolos, farinhas, infusões e caldos. Para explicar a grandeza da batata seria preciso um livro. Escavações arqueológicas apontam que o tubérculo surgiu nos altiplanos peruanos. Existem vestígios que datam de 8 mil anos. São mais de 3 mil variedades de batatas. Basta visitar algum mercado no Peru ou na Bolívia para descobrir batatas de todos os tamanhos, cores e consistências. Devemos aos incas a disseminação de um dos pilares da dieta universal.

Sobre o abacaxi, seu primeiro registro vem da chegada de colombo, em 1493, à ilha de Guadalupe, no Caribe. As populações ameríndias usavam o fruto para se refrescar no calor. Essa planta perene se tornaria um alimento muito difundido. No século 18, foi usado até como objeto decorativo.

Tivemos acima um rápido panorama da importância das primeiras cozinhas das Américas. E isso sem entrar na parte das receitas e dos rituais! Precisamos ser muito gratos aos astecas, maias e incas. Esse trio elétrico fez a cultura culinária deste planeta ganhar mais sabor, graça e escolhas.

Carla Pernambuco é chef e proprietária do restaurante Carlota, em São Paulo, com filial no Rio. Apresenta o programa de TV Brasil no Prato, na FOXß.

Publicado originalmente na edição impressa #2.