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Postado em 08/12/2011 - 4:07
#CulturaDigital.br – Deleted City
Mariel Zasso

Projeto holândes apresentado na Mostra de Experiências propõe uma arqueologia digital baseada no gigante backup do Geocities

A trilha sonora é um “midi”, formato de áudio clássico da primeira década da popularização da web.

Terminou no domingo (05) o Festival Cultura Digital.br 2011, que exibiu uma seleção de apresentações e discussões sobre arte, cultura, política, educação relacionadas às novas formas de interação em rede. Foram mais de 350 projetos inscritos na chamada pública, e os três dias foram pouco para esgotar qualquer assunto. 

A Mostra de Experiências, que aconteceu na Cinemateca do MAM Rio durante os três dias do evento, limitou o tempo das apresentações em 15 minutos. Um grande cronômetro, bem posicionado, de frente para o proponente, gerava certa tensão, mas garantia que ninguém se excedesse.

Dentro desse qualificado mapeamento de projetos, no qual muitas boas surpresas foram apresentadas, a seLeCt entrevistou Richard Vigjen, idealizador do Deleted City. Projeto de arqueologia digital, é um belo mapa de visualização dos arquivos do extinto Geocities.

GeoCities?

Os hardusers de internet vão lembrar, mas nem todo mundo teve a oportunidade de mergulhar na internet desde seus primórdios. E se há 10 anos Geocities era pauta, hoje é história. Serviço de hospedagem de sites do portal Starmedia, foi um estouro de popularidade na década de 1990.

Com uma estética, digamos, questionável, os sites, hospedados gratuitamente e com um bom espaço de armazenamento para a época, eram agrupados em “bairros” e “cidades”, conforme seus temas. Em 1999, o serviço foi comprado pelo Yahoo! (por 3,5 milhões de dólares!), e acabou sendo descontinuado em 2009 – tornara-se defasado com o boom das redes sociais e servidores de blogs. Milhões de sites – e seus donos – ficaram órfãos. O conteúdo foi simplesmente deletado. Porém, antes que isso acontecesse, um grande backup – que gerou um arquivo torrent de 650Gb, ou mais de meio “tera”, de arquivos html e midis – foi feito.

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O site da seLeCt com a carinha brega da web dos anos 90, depois de passar pelo tratamento do Geocitiesizer

Deleted City

E foi com esse backup gigante – a “Pompéia digital” cujo download demorou 6 meses – que Vigjen montou sua escavação interativa, uma arqueologia digital desse passado recente das nossas cidades de bits e bytes. 

A instalação e sua interatividade não foram postas à prova no Rio. Vigjen está refinando o software, para exibi-lo em breve em uma galeria em Beverly Hills (CA, USA) – e dessa vez permitir que o público brinque. Para quem não puder seguir o roteiro de suas apresentações presenciais, o programador está preparando uma versão para tablets, e então qualquer um poderá utilizar Deleted City como um aplicativo em sua casa.

Designer gráfico, Vigjen “desde sempre” se interessou pelo uso do computador como ferramenta, e assim aprendeu a programar, por acreditar que os programas “pré-fabricados” acabavam por replicar padrões tradicionais. Hoje trabalha principalmente com grandes conjuntos de dados, em projetos que promovam o cruzamento da programação, do design gráfico e editorial. 

Leia a seguir a entrevista com Richard Vigjen.

Vijgen

Você provavelmente teve um site no Geocities. Quais eram seus interesses então?

Eu comecei a usar o Geocities lá por 1995. O que mais me interessava era o sistema em si. Acho que eu devo ter feito dezenas de sites, só pra testar novas possibilidades. Uma vez que o site deixasse de estar “em construção”, eu tinha que começar de novo. Acho que eu ficava principalmente pela Times Square – o bairro dos computadores, o Research Triangle – de tecnologia – e Atenas, o bairro da educação, história.

Você comentou que a década de 1999-2009 foi um período em que a “world wide web” e seus netcitizens estava em busca de uma identidade. E hoje, quais você pensa que são as questões da web e dos seus webcidadãos?

Eu acho que a internet como um meio público é algo que foi tomando forma entre 1995 – 1999. Foi quando mais gente teve a oportunidade de participar, já que antes a internet era privilégio de grandes instituições. Quando a rede foi aberta ao público, ela passou a ser usada por pessoas cujo o primeiro interesse não era a tecnologia em si, mas o seu potencial de comunicação em relação a seus próprios interesses. E como a internet é um meio aberto por definição, as pessoas começaram a experimentar vários meios de fazer isso, baseados em metáforas como uma biblioteca digital, uma cidade virtual, e coisas do tipo – eram conceitos do mundo existente (ou da ficção científica) sendo aplicados a esse novo meio. A coisa mais importante para mim é isso, quando você compra o acesso a essa rede, como você deveria usá-la ou como ela deveria ser é deixado a seu critério. Os provedores não disseram como a internet deveria ser porque eles mesmos não sabiam.

Eu acho que hoje isso está mudando: ainda há uma evolução em como a internet é usada. De homepages para blogs, de redes sociais a pesquisas em tempo real. Mas esses conceitos cada vez mais vem sendo vendidos como um produto para você consumir. Especialmente com a internet migrando dos provedores de acesso, que apenas vendiam acesso, para celulares: o papel do usuário como consumidor está se tornando dominante. O mesmo acontece com a migração dos PCs de uso geral para dispositivos dedicados, como os tablets. E com os fabricantes e operadores de telefones e tablets vendendo a internet como um produto (quase como uma torradeira ou uma cafeteira), há menos espaço para seus usuários questionarem o sistema, para chegarem a novas soluções ou modelos alternativos.

Hoje eu realmente não preciso controlar minha cafeteira ou acessar minha torradeira, mas com a internet (móvel) crescendo como suporte da nossa cultura, nossas ideias e valores, eu quero ser capaz de reinventar a roda, questionar o modelo, ou chegar a uma nova metáfora.

Olhando para o Geocities, eu reconheci, entre todos aqueles gifs animados, fotos brilhantes e fundos repetitivos, um ingênuo porém muito humano uso do meio que é um fluxo constante. Você pode ver o trabalho de uma pessoa nessas páginas. Uma pessoa lutando com a tecnologia, descobrindo como agir como um cidadão digital, alcançando pessoas que ela não conhecia.

O Geocities é lembrado, inclusive por você, como um reduto de páginas “bregas”ou feias…

O Geocitisizer é uma piada relacionada ao fato de que, na memória de muitos, o Geocities era muito feio – o que frequentemente é verdade. Eu o inclui na apresentação como uma piada, mas a razão pela qual eu fiz este projeto é justamente para mostrar a relevância que o Geocities tem por trás de qualquer piada ou aparência.

Saiba mais:

Deleted City

Richard Vigjen

Cultura Digital.BR

E, claro, brinque no Geocitiesizer, que dá a qualquer página a cara da web dos anos 90. 😉