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Casa para Felipe (2019-2021), de Felipe + Rafael Alonso
Postado em 20/03/2022 - 1:51
Desvios possíveis
ArtSampa abre espaço para instituições e coletivos que trabalham com arte para além do setor comercial, alcançando um lugar de trocas e parcerias

A ArtSampa prometeu inovação. E entregou. Sobre um labirinto de cubos brancos – os estandes das galerias de arte participantes da nova feira de arte em São Paulo –, onde se alinham nomes conhecidos e novidades, no 2º pavimento concentram-se instituições que posicionam a arte como ferramenta social de inclusão, visibilidade, empoderamento e mudança. Abrindo os trabalhos de seu programa anual dedicado à #arte_e_política, seLecT destaca essas iniciativas.

Potência Ativa é uma articulação de projetos de arte que debate as urgências do mundo e busca gerar recursos para organizações que trabalham diariamente no front das lutas sociais. ”Nós entramos em contato com projetos que acreditamos fazer um trabalho social relevante e, por meio de obras de arte, arrecadamos capital para esses projetos”, diz Gabriela Davies, idealizadora da instituição junto com Maíra Marques e Paula Borghi. A iniciativa já realizou duas parcerias desde de sua inauguração, em dezembro de 2020. A primeira com Milhas Pelas Vidas das Mulheres, em prol do aborto legal e seguro, e agora, com a Lanchonete <> Lanchonete, levantando fundos para moradias coletivas para mães solos e seus filhos.

O estande da Potência Ativa na ArtSampa apresenta obras que dialogam diretamente com o trabalho da instituição parceira, como Casa para Felipe (2019-2021), de Rafael Alonso, Cosme e Damião (2008-2019), de Zé Carlos Garcia, e Juntes (2018), de Traplev e um fotografia do NBP, de Ricardo Basbaum, servindo de piscina para as crianças da Lanchonete <> Lanchonete. O projeto traz também produções de Martin Lenezan, Marcelo Oliveira, Herbert de Paz, Gabriel Giucci e do coletivo Vem Para Luta Armada.

Artistas Latinas apresentam o projeto curatorial Parir a Si

Criado durante a pandemia, Artistas Latinas é uma plataforma online de educação e difusão em artes visuais que busca reescrever a história da arte a partir da perspectiva das mulheres artistas latino-americanas. Além de cursos e ações educativas, o projeto realiza mapeamento de artistas do hemisfério-sul, com o objetivo de gerar um grande levantamento de dados sobre personalidades femininas apagadas e/ou silenciadas da narrativa que conhecemos. ”Para a ArtSampa, abrimos um edital direcionado a artistas mães. Recebemos mais de 200 portfólios de diferentes regiões e, a partir deles, além de anexar em nossa base de dados, inserimos a pessoa na cena artística”, conta Giovanna Gregório, integrante do conselho curatorial, à seLecT.

Intitulado Parir a Si, o projeto curatorial do estande é resultado da seleção de 16 artistas (40% do eixo Rio-São Paulo e o restante de outras regiões do país) que foram e são atravessadas pela experiência da maternidade, de mãe solo, do aborto ou masturbação depois de ser mãe, entre outras questões.

Estande da Rede Nami na ArtSampa

Outra organização que realiza projetos para incluir mulheres, negros, povos originários, pessoas LGBTQIAP+ e os demais grupos marginalizados em espaços de decisão e poder, pensando na sustentabilidade do planeta e na construção de um futuro mais igualitário e inclusivo, é a Rede Nami, idealizado e coordenado há 10 anos pela artista Panmela Castro. Seu estande é dedicado à produção da artista Priscila Rooxo, com a exposição A Mãe Tá On, com curadoria de Carollina Lauriano. Abordando questões de gênero, classe e território, incluindo a arte, a mostra nos convida a repensar a existência da mulher periférica como potência e força que sustenta a base da sociedade.

Provisório Permanente, do Espaço Cultural Oasis

É por meio de um grande mural de papelão, pintura e pichação que a periferia se faz presente na feira, no estande do Espaço Cultural Oasis, cuja sede fica em frente ao mercado do Saara, no Rio de Janeiro. Múltiplo, plural, colaborativo e aberto, o espaço de pesquisa e estudo em arte consiste numa plataforma transdisciplinar com a meta de oferecer ao público e ao circuito de arte uma rede de intercâmbio entre seus agentes, com estrutura e programação cultural diversa. Para ArtSampa, Oasis intitulou seu estande de Provisório Permanente com os artistas Bruno Pastore, Gean Guilherme e Simba.

Vazar o Invisível, exposição da OM.Art

A mostra Vazar o Invisível, que em setembro de 2021 colocou oito artistas periféricos em exposição no Studio OM.art, no Rio, em parceria com a PerifaConnection, ganhou uma nova rodada na feira, no debate Vazando Territórios: Uma Conversa sobre Arte e Pertencimento, na quinta-feira 17. Participaram a artista e jornalista Gabriella Marinho, representante do PerifaConnection, Oskar Metsavaht, diretor da OM.art, e a geógrafa Elaine Mineiro, vereadora do Quilombo Periférico. Com mediação da curadora Raquel Barreto, o debate dá continuidade ao encontro de mundos que foi e vem sendo promovido por essa parceria. Confira pelo link.

 

Ateliê TRANSmoras na ArtSampa

A ideia de presença e pertencimento se estende ao Ateliê TRANSmoras, fundado pela estilista e ativista Vicenta Perrotta. O espaço de produção de arte, moda e cultura voltado à comunidade trans surgiu em 2013, com a ocupação da Moradia Estudantil da Unicamp. Desde então, a iniciativa constrói residências artísticas e é um ponto de convívio e acolhimento de pessoas e grupos da comunidade LGBTIA+. O estande reúne peças produzidas em algumas oficinas ministradas pela estilista, subvertendo o limite estabelecido entre moda e arte ao investigar estratégias de inserção no espaço público.

”O consumo constrói os estereótipos. A travesti quebra esses processos de consumo capitalista com o corpo, que é lido como algo não alinhado à cisgeneridade, como algo que deu errado”, diz Perrota à seLecT. “Minha produção partiu da pesquisa do corpo trans com a natureza, levando a relação do lixo com o corpo travesti, visto com o mesmo potencial de descarte na sociedade em que vivemos”.

O trabalho consiste em transformar o lixo em potência, criando looks que posicionam o corpo travesti em um lugar de expressividade e empoderamento. Para além de estilistas, as produtoras se tornaram artistas visuais, construindo peças carregadas de personalidade. Manauara Clandestina, Larissa Cemiterio, Yuki Hayashi, Luara Souza, entre muit@s outr@s, estão presentes no estande.

Ato ou Revolução (2022), de Hiago Bezerra

O Solar dos Abacaxis, instituição autônoma e colaborativa dedicada à experimentação em arte e educação, apresenta um projeto de parceria com a Galeria ReOcupa, projeto artístico de gestão compartilhada na Ocupação Nove de Julho. Intitulado Insurgir, a iniciativa visa o trabalho de forma coletiva a partir de lutas territoriais e encontros artísticos para propor sistemas alternativos de troca que viabilizam formas de coexistência mais justas dentro e fora do sistema das artes. A ideia é, por meio da coletividade, colaboração e partilha, fortalecer artistas, apoiar movimentos de luta social no Brasil e ainda garantir a sustentabilidade da própria instituição. Aline Motta, Cabelo, Gustavo Caboco, Evandro Cesar, Fumaça Antifascista, Link Museu, Marcelo Zocchio e Virginia de Medeiros são alguns dos artistas que participam da parceria. 

Cosmovisão Opy’i (2019), de Xadalú Tupã Jejupé

Finalmente, o Instituto Inclusartiz, fundado em 1997, é uma organização cultural não governamental, sem fins lucrativos, sediada no Rio de Janeiro. Sua missão é fomentar a arte contemporânea nacional e internacional por meio de residências que possibilitam a formação de artistas, curadores e pesquisadores em várias etapas de suas trajetórias.

O foco do estande na ArtSampa é mostrar um recorte da produção realizada pelos artistas emergentes que já passaram pelo programa de residência do instituto, como Marcela Cantuária, Maxwell Alexandre, Talles Lopes e Xadalu Tupã Jejupé. ”Neste ano, foram mais de 530 projetos inscritos no edital que contemplou todo o Brasil e países da África Meridional. O resultado final, dos oito selecionados (sendo 4 artistas e 4 curadores/pesquisadores), será divulgado na primeira semana de abril de 2022”, conta à seLecT Claudio Savaget, Assistente de Relações Internacionais e Institucionais do Inclusartiz. ”O comitê de seleção da residência não está focado no eixo Rio-São Paulo, tentamos localizar essas questões já deslocando-as para outros focos do Brasil e assim ampliando a territorialidade de ação do programa”, completa.

Esses espaços e tempos ”alternativos” são um desvio no sistema de arte, entram em embate com a linearidade a que estamos acostumados, quebrando o protagonismo masculino, heterossexual e branco, e a hierarquia comandada pelo número de vendas. É sobre abrir espaço para outras vozes e criar novas narrativas!

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