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Postado em 17/11/2012 - 11:50
Don’t look back
Paula Alzugaray

Opalka é um dos destaques do Move Cine Arte

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Legenda: Opalka participou da 19a Bienal de São Paulo

Opalka, o filme, é incrivelmente bem filmado, quase todo em preto e branco, aludindo aos tons cinzentos preponderantes na pintura de Roman Opalka (1931-2011). O filme também explora muito o recurso da lente macro, o que enfatiza a característica silenciosa e extremamente detalhista de um trabalho que passou sem alarde pela 19ª Bienal de São Paulo, em 1987.

Em 1965, Opalka pintou o número 1 no canto esquerdo superior de uma tela da sua altura e iniciou um projeto artístico que só foi concluído com sua morte, em 2011. A partir desse gesto, 234 telas foram pintadas até a conclusão do documentário, atingindo o número 564.000.000 e algo. “Minhas pinturas estão conectadas com o tempo irreversível, não poderiam ser forjadas por outros ou refeitas por mim”, declara o pintor ao diretor Andrzej Sapija.

Mas esses detalhes sobre as telas, intituladas “Detalhes”, só começam a ser abordados após o vigésimo minuto de filme. Até lá, o documentário se mantém fiel a um padrão de narrativas biográficas, que começam na infância e avançam em direção à morte. Com uma estrutura convencional, começa com as primeiras lembranças, o lugar de origem, a lembrança da I Guerra. A rápida passagem pelo partido comunista. Tudo bem que a poética de Opalka se estrutura sobre a inexorabilidade do tempo. Mas será que era preciso mostrar os estudos de modelo vivo, realizados nos anos 50 e dar tanta ênfase aos estudos acadêmicos? Qual a importância de acentuar que o artista perdeu a fé em pintar realisticamente?

Com Opalka, ocorreu o mesmo que com outros grandes artistas do século 20: foi formado na tradição para se livrar dela de maneira inesperada, engenhosa. No big deal. O que esse senhor de cabelos brancos, roupa branca e pintura branca tem de fundamental é o engajamento a um projeto de vida. E o que filme tem de melhor é a forma de narrar esse projeto, espelhando os procedimentos do artista.

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Legenda: Opalka dedicou-se a seu projeto artístico por mais de 40 anos

Foi num café chamado Bristol que, esperando uma mulher, Opalka teve a ideia do “programa” a se dedicar. A primeira pintura foi feita com letras brancas sobre fundo preto. “Quando atingi o milhão, cada pintura tinha mais 15 % de branco. Mas, atingir o branco total, no senso matemático, é impossível”, declara.

É interessante, o uso de retratos de família e a visualização de como ela vai envelhecendo ao longo do filme. Opalka, aos 3, aos 10, aos 20… o pai e a mãe envelhecidos. Aqui há uma relação com uma segunda parte do trabalho: a decisão por, depois de cada sessão diária de trabalho, tirar uma foto sua – o que possibilita a visualização do progressivo acinzentamento do cabelo… concomitantemente ao embranquecimento das telas. “Sou um agnóstico, mas se Deus existir e me condenar a viver ainda mais 20 anos, então eu vou sofrer nesse branco”.

Uma terceira parte do programa de Opalka é o som. Um gravador de rolo roda durante o trabalho da pintura, registrando a contagem dos números, em polonês, sua língua materna. Apropriado pelo diretor, o som da voz do artista tornou-se a base de uma trilha sonora altamente compenetrada, que dota de mistério e gravidade toda cena filmada: o artista em ação, os detalhes do atelie, o artista em caminhada no campo, ou as imagens de arquivo dos grande acontecimentos da humanidade nas últimas décadas: a pegada do homem na lua, a bomba de Hiroshima…

Opalka pinta o tempo com pincéis nº 01. Já Andrzej Sapija filma a passagem inexorável do tempo com entardeceres, céus, estações do ano, cenas de arquivo. Ambos chegam ao que Opalka previu: “A celebração do nada”.