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Postado em 24/02/2013 - 5:16
Encruzilhada digital
Juliana Monachesi

Criação em novas mídias ganha espaço e importância em museus pelo mundo, enquanto, no Brasil, sofre sucateamento nas instituições culturais

Legenda: Fala (2012) , instalação de Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti apresentada no emoção art.ficial 6.0, no itaú cultural; na obra, 40 celulares respondem às vozes captadas, gerando palavras semelhantes às escutadas

Cinco anos atrás, São Paulo gozava de um cenário estimulante no que se refere à interseção entre arte e tecnologia: tinha instituições públicas e privadas especializadas na criação em novas mídias, tais como o Museu da Imagem e do Som (MIS) sob a diretoria de Daniela Bousso, o medialab do Itaú Cultural, o Instituto Sérgio Motta, além de pujantes festivais anuais ou bienais voltados à investigação e ao mapeamento da produção de ponta no setor, como FILE, Videobrasil, emoção art.ficial e as próprias mostras resultantes do Prêmio Sérgio Motta de Arte e Tecnologia.

Em 2012, a cidade testemunhou a extinção do emoção art.ficial – a bienal de novas mídias do Itaú Cultural –, e do Prêmio Sérgio Motta, depois da ressaca da transformação do MIS em museu da televisão e da fotografia tradicional, no ano anterior, sob a gestão de André Sturm. No exterior, por outro lado, as principais instituições de arte vêm trilhando um caminho oposto: o Whitney Museum, em Nova York, abriu espaço para uma série de retrospectivas de importantes nomes da artemídia, como Cory Arcangel (2011) e Wade Guyton (leia texto nesta edição sobre a obra do artista), em cartaz até 13 de janeiro. O New Museum inaugurou, em 2012, um setor de netart, intitulado First Look: New Art Online, que comissiona obras de arte digital para serem hospedadas em seu site.

Na Europa, o meio digital se fortalece e consolida a olhos vistos – vide instituições fortíssimas como o ZKM, museu alemão inteiramente dedicado à artemídia, o Ars Electronica, festival que existe desde 1979 e acontece anualmente na Áustria, e a Fundación Telefónica, que mantém o prêmio Vida há 14 anos. Outro sintoma significativo da crescente relevância conferida no exterior à criação em novas mídias foi a edição comemorativa de 50 anos da principal revista de arte internacional, a Artforum, em setembro, dedicada inteiramente ao tema, seguida do lançamento, em outubro, da versão digital da tradicionalíssima revista (leia nesta edição o review sobre o número de aniversário da Artforum).

Em face do contraste entre os contextos nacional e internacional da política cultural voltada para a arte em novas mídias, seLecT ouve representantes do setor para desvendar o retrocesso que as políticas para manda, sim, espaços especializados: “A arte digital lida com coisas que não são foco de interesse do contexto da arte contemporânea, com temáticas e processos que fogem às regras e aos cânones da arte contemporânea. Então, se não houver um local focado na produção digital, onde é que essas pesquisas serão desenvolvidas? Trabalhos de difícil assimilação, em geral, carecem de espaço para ser vistos”, argumenta a artista. Já para Saron, “chegou a hora de promover a reaproximação desses campos, que em realidade são e sempre foram um só”.

Mercado restrito

Encruzilhada

Legenda: Fotomontagem de Ricardo Van Steen a partir de imagens das obras Reflexão #3 (2005), de Raquel Kogan, e Ultranature (2008), de Miguel Chevalier

Para galeristas paulistanos que contam, em seu time de artistas, com nomes que atuam predominantemente no campo das novas mídias, a dificuldade de assimilação dos trabalhos digitais vem sendo vencida aos poucos. “O colecionador que compra obras em suporte digital tem um perfil muito específico. É um mercado mais restrito. A boa notícia é que começam a surgir coleções especializadas”, afirma Daniel Roesler, que representa nomes como Abraham Palatnik, Alice Miceli e Cao Guimarães.

O diretor da galeria Nara Roesler afirma ainda que os museus estão começando a colecionar arte digital e defende que, por se tratar de um universo novo com potencial de crescimento, alguém que esteja iniciando uma coleção possivelmente vai ter acesso a obras de primeiro nível, o que não ocorre no contexto dos suportes convencionais da arte contemporânea. “Existem grandes artistas e poucos colecionadores, o que significa que obras excelentes estão disponíveis no mercado”, explica. Mas a especificidade dessa produção ainda demanda ações pedagógicas, acrescenta.

Para o galerista Fabio Cimino, da Zipper, que representa artistas como Fernando Velázquez e Katia Maciel, a formação de público é um dos fatores que o levam a expor obras de grande complexidade.  “Mesmo não sendo uma mídia nova institucionalmente, comercialmente a arte digital é mais recente, então não é possível fazer uma exposição desse tipo com o objetivo único de vender. Portanto, a galeria investe no artista, apostando que a mostra vai favorecer também a formação de público e dos jovens profissionais do meio”, afirma ele. Cimino explica que a relação entre galeria e artista envolve, inclusive, conversas sobre adequação da obra ao mercado. “A venda precisa acontecer para financiar a continuidade do processo de criação.  Então é importante o artista considerar uma formatação comercial também. Mas isso não interfere na concepção da mostra, até porque, ao comprar uma obra, a pessoa está adquirindo todo o pensamento contido naquele trabalho”, diz.

No contexto institucional, e na contramão do sucateamento testemunhado em São Paulo com a extinção do projeto de ponta do MIS e do Prêmio Sérgio Motta, um exemplo do Rio de Janeiro lança luz sobre o papel de um espaço para as novas mídias. O Oi Futuro foi criado em 2005 (com o nome Centro Cultural Telemar) especialmente para abrigar e fomentar a produção de arte digital. Novo conceito de museu Maria Arlete Gonçalves, diretora de cultura do instituto, explica por que a arte e a tecnologia são as pedras fundamentais do Oi Futuro, que hoje possui dois centros culturais no Rio e um em Belo Horizonte: “Ao longo da história, as instituições buscam acompanhar os movimentos artísticos de seu tempo. Por exemplo, quando os museus de belas artes deixaram de suprir as demandas da arte moderna, surgiram os museus de Arte Moderna.

A arte contemporânea também demandou uma nova categoria para si, fazendo surgir os centros de produção de arte e tecnologia, que transcendem o conceito do antigo museu”, afirma Maria Arlete sobre o campo de atuação do Oi Futuro. “Com o surgimento do centro cultural sediado no Flamengo, em 2005, passamos a impulsionar a cena de arte tecnológica, que, até então, não tinha muitos espaços de representação, discussão e produção. Em paralelo, atuamos no fomento à produção, ao patrocinar a produção e implantação do Núcleo de Arte & Tecnologia do Parque Lage, no Rio de Janeiro.”

Instituição que trouxe mostras marcantes de Tony Oursler, Andy Warhol, Gary Hill e Nam June Paik, o Oi Futuro vem dedicando boa parte de sua programação a traçar um panorama da produção brasileira de artemídia, com exposições individuais ou retrospectivas de nomes como Lenora de Barros, Wally Salomão, Letícia Parente, Marcos Chaves e Sonia Andrade. “Nas artes visuais, somos 100% novas mídias, contemplando tanto as high tech quanto as low tech, já que acreditamos que uma mídia não anula a outra”, afirma Maria Arlete. E quanto ao patrimônio digital? “Temos um projeto de aquisição de acervo em andamento, o que exige tempo e cuidado. Antes de formar uma coleção, priorizamos o fomento à produção artística, patrocinando-a e exibindo-a.”

*Publicado originalmente na edição impressa #9.