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Malhadeira (2021), de Uýra na 34a Bienal de São Paulo (Foto © Levi Fanan /Fundação Bienal de São Paulo)
Postado em 04/12/2021 - 4:35
Enraizar e reinventar
Novos trabalhos de Uýra, apresentados na 34ª Bienal de São Paulo, adensam seu projeto de ficção ambiental

Expor os modos com que a arte é usada como meio de comunicação e articulação política entre artistas indígenas é um legado deixado pela 34ª Bienal de São Paulo – a auto-declarada Bienal dos Índios de Jaider Esbell (1979-2021) –, que se encerra neste domingo 5/12. No texto que o artista Macuxi publicou na seLecT em 2018, ele já relacionava diretamente as manifestações artísticas indígenas ao direito à terra. Direito, a bem entender, de conhecimento da própria origem, de valores e de sentidos atribuídos ao mundo. A arte, portanto, como um meio de conectar com a ancestralidade, resgatar a história e reinventá-la.

Uýra, a entidade artística do paraense Emerson Pontes, residente em Manaus (AM), está entre os nove artistas indígenas desta bienal, cinco deles brasileiros. Mas diferentemente de Daira Tukano, Sueli Maxacali, Jaider Esbell, de origem Macuxi, e Gustavo Caboco, de origem Wapichana, Emerson não tem a clareza da própria origem e concebeu Uýra – híbrido de ativismos LGBTQIA+, ambiental e indígena – precisamente para ir busca-la, ou redefini-la. Essa perseguição se faz visível nos dois novos trabalhos apresentados.

Germinar Rebrotar, da série Retomada (2021), de Uýra (Foto Matheus Belém, cortesia da artista)

As dez fotoperformances de Retomada (2021) são como dez estágios de um processo de regeneração: Reencontrar, Germinar Rebrotar, Enraizar, Crescer Escalar, Agregar, Cobrir Espalhar, Perfurar Romper, Florescer, Frutificar, Tudo do Novo. No trabalho, Uýra lança mão do mesmo dispositivo de trabalhos anteriores, também expostos na Bienal: vestir-se de elementos orgânicos e dejetos industriais para se metamorfosear e fundir ao ambiente ao redor, produzindo a crítica da degradação ambiental.

Crescer Escalar, da série Retomada (2021), de Uýra (Foto Matheus Belém, cortesia da artista)

Ficção ambiental

Na nova série, o recurso de fusão camaleonica se sobressai em relação aos procedimentos de teatralização, encenação e “montação”, que a personagem híbrida imanta das comunidades artísticas LGBTQIA+ da Amazônia, adensando seu projeto de ficção ambiental que vem sendo realizado há pouco mais de dois anos.

Fazer a mata retomar terreno e rebrotar das brechas do asfalto da cidade de Manaus é a intenção de um corpo metamorfoseado em mato de beira de estrada que, insubordinado, invade o mobiliário urano e as rodovias, em franca revanche à destruição. Essa insurgência da natureza está anunciada também em Malhadeira (2021), primeira investida do artista no campo da instalação.

A obra é composta pela sobreposição das malhas hidrográfica e urbana da cidade de Manaus. A violência sobre a vida indígena é apontada na representação da avenida Constantino Nery, governador do Amazonas responsável pelo aterramento de parte dos rios e igarapés que banhavam Manaus e pela chacina (embora não responsabilizado) de 283 indígenas do povo Waimiri-Atroari. Malhadeira, ao desenhar o caminho das àguas com cordões com sementes de seringa, além de tocar as feridas das cidades brasileiras e latino-americanas, vem cobrar a responsabilização de crimes cometidos contra a natureza e a humanidade.