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Postado em 15/12/2014 - 4:37
Entrevista André Millan
Paula Alzugaray

Em entrevista em Art Basel Miami Beach, o galerista anuncia nova fase da galeria, com mais artistas e novo espaço, e critica a lógica atual do mercado, segundo a qual o reconhecimento de um artista se faz por meio das relações que ele tem

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Legenda: André Millan por Cris Komesu (foto: Cortesia Galeria Millan)

Em 25 anos à frente da galeria Millan, André Millan já representou grandes artistas como Jac Leirner, Ernesto Neto, Tunga – que recentemente deixou a galeria e passou a ser representado pela Mendes Wood DM – e Ana Maria Maiolino, que migrou para a Luisa Strina. Millan não se intimida. Ancora agora seus esforços em reunir novos artistas que estejam no patamar de carreira consolidada. Como José Resende, com quem trabalha há seis meses e trouxe bons resultados em sua participação na Art Basel Miami Beach, no início de dezembro.

Nesta entrevista concedida à seLecT durante a feira em Miami, Millan fala dos pros e contras da profissionalização do meio de arte, e dos planos para 2015. Bastante crítico em relação às leis que regem o mercado de arte atual, afirma que “hoje você é reconhecido por suas relações e não por seu trabalho. Essa é a questão: o trabalho não vale nada, a obra de arte é secundária”.

Quais os planos da galeria para 2015?

Estamos num momento de mudança. Entrou o Zé Resende e estamos vendo outros artistas já no patamar de carreira consolidada, além de trabalhar artistas mais jovens. Thiago Rocha Pitta e Tatiana Blass, são artistas que acompanho desde o início de suas carreiras. O Rodrigo Andrade entrou há quase 5 anos e está com muito sucesso. Aconteceu uma coisa muito legal com o trabalho dele que foi resgatar as fases anteriores. Conseguimos coloca-las no mercado com um preço à altura. O trabalho dele não tinha a liquidez que tem. Hoje você compra o trabalho do Rodrigo das décadas de 80 e 90 em casas de leilão mais caro que na galeria. Fomos nós que fizemos esse trabalho de resgatar e valorizar as fases anteriores, adquirindo e recolocando em coleções. A fase atual dele tem um apelo estético maior, é figurativa, então é mais fácil de trabalhar no mercado. Mas isso não quer dizer que seja melhor ou pior, em termos de qualidade. O fato é que, por esse caminho, nós acabamos chegando nas fases anteriores. Isso foi muito gratificante.

Para onde aponta a mudança?

É um ciclo. A galeria tem 25, 26 anos, e vive de ciclos, com picos e com momentos de revitalização. Isso é um movimento contínuo. Agora a gente está pegando mais artistas, está abrindo um novo espaço ainda no primeiro semestre do ano que vem. Vou fazer um anexo. Isso começou porque temos um galpão na Pompéia, que não está dando conta. E aí surgiu esse imóvel ao lado da galeria que acabei alugando. Mas não será reserva técnica, será um anexo. É uma ampliação da galeria e a ideia é trabalhar com outras linguagens.

Então você acompanha esse movimento generalizado que vivemos: galerias abrem em outras cidades, feiras abrem novas filiais…

Acho esse movimento de certa forma preocupante. Não acho que você possa avaliar a qualidade de uma galeria por metro quadrado. Apesar de todos gostarem disso. Mas acontece que o que a gente quer fazer não cabe no espaço que temos hoje. Queremos fazer cursos, fazer performance, trabalhar com várias linguagens.

Dar uma identidade mais institucional à galeria?

Queremos ampliar o mercado também, não é só a parte institucional não. Acho que temos um potencial que, com mais espaço, vamos conseguir aumentar o faturamento também. Acho por exemplo que as visitas de grupos de pessoas que tem sido feitas ultimamente, isso calça a parte comercial. Nesse espaço poderemos fazer isso. Mas esse negócio de crescer, crescer, crescer é perigoso. É preciso entender pra que você está crescendo.

Há dois movimentos de crescimento: um é o crescimento físico da galeria, outro é o crescimento da participação em feiras. Em que medida o faturamento das galerias depende hoje das feiras?

Em relação ao crescimento físico, entendo que um galpão tem um custo muito menor para uma galeria do que deixar suas obras num storage da vida. Sai mais barato. Mas o que aconteceu com as galerias, depois das feiras, é que a sede virou um entreposto. De fato, levamos uma vida de caixeiro-viajante. Aquela coisa que acontecia na galeria – as conversas, os artistas convivendo com os colecionadores –, isso tudo acabou. Penso que nesse espaço que estamos abrindo vai ser possível resgatar esse espírito.

Por que o colecionador brasileiro vem para Miami comprar em galerias brasileiras o que poderia estar comprando na Vila Madalena?

Não faz o menor sentido. Conosco acabou de acontecer isso também (esta entrevista foi oferecida à seLecT pela assessoria de imprensa internacional da galeria, a Rhiannon Pickles PR). A feira dá uma pasteurizada nas relações e no próprio trabalho. Fica uma coisa que você perde a impressão digital. Nas décadas de 80 e 90 existia uma troca entre os artistas, um convívio, as pessoas trabalhavam, brigavam, faziam as pazes, conviviam. Isso acabou com a profissionalização do meio de arte. Ganhamos e perdemos com isso. Hoje os artistas querem que as coisas aconteçam numa velocidade perigosa.

Só os artistas?

Todo mundo quer. O artista quer, a galeria quer, a imprensa quer, o crítico quer. Acho que as feiras catalisam esse processo e imprimem esse ritmo às coisas. Então o que se busca é retorno financeiro e sucesso imediato. Isso é complicado, porque a cada década, o que fica? Dois ou três artistas por década. No máximo. O resto está no segundo ou no terceiro time. No primeiro time fica muito pouca gente. Sei lá, acho que você tem aí uma ou duas gerações de artistas muito bons, mas eu acho que essa profissionalização levou a isso: é tudo rápido. Sucesso, sucesso, sucesso.

Há um investimento alto em participar de várias feiras por ano. O que isso traz de retorno pra galeria?

Tem um lado que é legal que é não existir mais fronteiras. E isso acabou acontecendo com a própria arte. Em termos, mas aconteceu. Você tem artistas brasileiros que tem uma linguagem que poderia ser do mundo. Essa projeção abre muitas frentes, é um reconhecimento, tanto institucional como de mercado também. Vou te dar o exemplo desta feira: no começo, eu não vendia nada para brasileiro. Hoje, vendo mais de 50% pra brasileiro. E não estou falando de minha galeria não, estou falando de todas. Isso mudou: os EUA passaram por uma crise, o Brasil teve um momento muito positivo na economia, então isso serve como termômetro.

Agora os EUA estão saindo da crise e a nossa economia paralisou. Acha que essa tendência de vendas pode inverter? Já está sentido essa mudança nesta 13ª edição da feira Miami Basel?

Senti nos últimos tempos o seguinte: agora você vende paulatinamente trabalhos de valores mais baixos. No princípio, os negócios eram feitos nas primeiras 48 horas, eram vendidos os trabalhos mais caros, e depois paravam. No dia da abertura e no dia seguinte você fazia 90% de teu negócio na feira. Depois dava uma barrigada. Hoje em dia é mais lento e gradual, demora mais, a pessoa pensa, volta, não tem aquele frisson que havia há alguns anos atrás, isso mudou. É que os grande colecionadores vem às feiras e passam no máximo dois dias e vão embora.

Então agora quem está comprando é um colecionador em princípio e meio de carreira, digamos assim…?

E às vezes nem colecionador é. É alguém que quer ter um trabalho de uma artista reconhecido em casa.

E os preços das obras, são os mesmos nas feiras internacionais e na galeria?

É o mesmo em qualquer lugar do mundo. O Tunga pode estar na minha galeria, na Mendes Wood, no Franco Nero, o preço é o mesmo. Não há como ser diferente. O que acontece as vezes é que o mercado externo não acompanha o mercado interno. O que eu quero dizer com isso: você pega um artista que pode ser consagrado no Brasil mas no exterior não tem a mesma força. Então fica uma briga pra você conseguir acertar os valores.

Os preços da arte contemporânea em geral estão muito altos no Brasil?

Muito altos. Arte contemporânea brasileira hoje é muito cara.

O que determina isso?

Eu não sei te responder, eu não acho inteligente isso. E eu não trabalho dessa forma. Os artistas da galeria, acho que eles tem um preço que valoriza, claro, mas é uma valorização lenta e gradual. Como é o trabalho da galeria. Eu não trabalho na direção de best sellers.

Henrique Oliveira está bem valorizado, por exemplo.

O Henrique está com preço alto no mercado secundário. Mais alto do que no mercado primário. Porque ele não tem obra, não tem trabalho pra vender, entendeu? Então hoje num leilão ou numa revenda você hoje pode chegar a alcançar o dobro do preço que se cobra na galeria. Mas essa questão do preço, Paula, é incompreensível. Não dá pra entender o que detonou esse processo. Acho esses mecanismos do que alavanca um preço ou uma carreira muito complexos. Hoje com o valor que você paga por uma Adriana Varejão ou uma Beatriz Milhazes você compra um Fontana ou um Morandi! Como é que se explica isso? Quando eu comecei a trabalhar com a Mira (Schendel), ela não valia, nada, não valia um centavo. A própria Ana Maria (Maiolino), tinha um preço muito baixo em relação a outros artistas. Então, são direções diferentes. Há galerias que alavancam o preço, que são muito agressivas nessa questão e outras não. Se você pegar um artista como o Artur Barrio, que eu represento, que ganhou o premio Cervantes, já fez Documenta de Kassel, já fez Bienal de Veneza…

Não poderia estar mais valorizado do que está?

Não é que o trabalho dele não consegue subir, é que são escolhas de vida, entende? O Barrio ao invés de mergulhar no mundo das artes, preferiu mergulhar no mar. Ele não fica indo em festas, fazendo leilão de caridade, fazendo lobby. Acho que muitas galerias fazem isso também: tornam-se arroz de festa. Hoje o fenômeno que acontece é que você é reconhecido por suas relações e não por seu trabalho. Essa é a questão: o trabalho não vale nada, a obra de arte é secundária!

E o ambiente da feira favorece essa relação?

Claro que favorece! E as pessoas alimentam isso. E os negócios acabam acontecendo mais pelo circuito VIP do que pela obra de arte.

Mas dado que o circuito de feiras está mais que consolidado, suponho que não haja como escapar desse ciclo?

Lógico que tem como escapar! Eu não participo disso. Estou na Art Basel mas não vou às 18:47 sentar ao lado de fulano pra vender beltrano. Não faço isso. Existem maneiras diferentes de fazer negócio. Negócio eu faço aqui em meu stand. Eu procuro não fazer negócio no jantar. Há galerias que fazem menos, galerias que fazem mais, galerias que dão festas três vezes por semana. Isso nos levou pra esse lugar: você é reconhecido por suas relações e não pelo seu trabalho. Tem muita gente que tem um trabalho excelente e não consegue se colocar. Simples como isso. Então todo esse glamour, esse frisson, não sei quanto tempo dura isso e se dura. Quantos artistas nós temos da década de 80 e de 90 que valiam uma fortuna e hoje não valem mais nada?

José Resende estava fora do mercado internacional quando você começou a trabalhar há seis meses?

Sim, e nesta edição da feira é um dos artistas que está gerando mais interesse e resultado.