icon-plus
Postado em 23/11/2011 - 6:44
Evas latinas e futeboleñas
Nina Gazire

Como o estereótipo da mulher voluptuosa, imperativo na América Latina, ganha um novo significado com as musas do futebol

Evas_site_450

A musa futeboleña paraguaia Larissa Riquelme, na copa de 2010, quando marcou seu gol no placar da fama (Foto: Luis Vera/Latin Content/Getty Images)

Caliente! Este é um dos adjetivos mais usados pela mídia internacional para descrever a paraguaia Larissa Mabel Riquelme Frutos. Larissa Riquelme é a bola da vez. Desde que apareceu na Copa do Mundo de 2010 torcendo pela seleção paraguaia de futebol, não saiu mais dos ensaios fotográficos dedicados ao público masculino. Começou sua carreira de modelo aos 17 anos e, antes da fama mundial, já era conhecida da mídia paraguaia. Estreou usando o nome artístico Larissa Babel. Babel caliente? Permita-nos fazer uso de um silogismo bem clichê: Babel nos remete à história bíblica da torre que tinha como projeto chegando aos céus, desafiando o poder divino.

O termo “caliente” também está associado ao pecado. É o adjetivo obrigatório para descrever a mulher latina que pode levar qualquer um da cama aos céus. Essa mistura entre o proibido, o exótico e o desfrutável cabe no arquétipo bíblico universal do feminino: o estereótipo da Eva. Mais do que as outras mulheres existentes mundo afora, a condição de Eva foi compulsoriamente reforçada na descrição das mulheres deste continente, desde a colonização e a conquista da América pelos ibéricos.

Ao retratar as índias tupinambás brasileiras, por volta do século 16, o gravurista belga Theodor de Bry gravava em cobre a nudez dessas nativas. Mas o que chocava os colonizadores não era a nudez. Os tupinambás, conhecidos pelo hábito da antropofagia, apareciam de maneira supervalorizada, deleitando-se em banquetes de carne humana. Nessas imagens, os homens eram mais contidos no ato da refeição profana, enquanto as mulheres estavam em estado de êxtase ao saborear a carne proibida. “A Eva não seria necessariamente o paradigma latino, ela está presente em todo imaginário descritivo em relação ao feminino ocidental. Mas sociedades ocidentais cristãs sempre viram com desconfiança o fato de a América Latina ter sofrido uma mestiçagem”, explica a historiadora Mary Del Priore. Comer a carne alheia, copular com o estrangeiro. Mesmo que o canibalismo seja metafórico, o ato de se fundir ao outro foi a base formadora da sociedade latino-americana e motivo de temor por parte da Igreja Católica, que culpava as mulheres indígenas por tirar os cristãos do “bom caminho” da pureza étnica. 

A mestiçagem sempre foi vista como ameaça pelos europeus, que procuravam se manter entre as elites. E a mulher mestiça, negra e índia que não conseguia se sustentar trabalhando na mesma condição que o homem, podia encontrar na sexualidade sua alforria social. “A América Latina ainda é uma região pobre. O sexo sempre foi uma forma de ascensão social e isso foi dito e estudado por feministas e historiadoras especialistas sobre a condição feminina latino-americana. Essa mobilidade social via sexualidade não diminui a vitória que as mulheres alcançaram naquela época” explica a historiadora.

Evas descamisadas

Não, não queremos que a conclusão de nosso longo silogismo sobre o estereótipo de mulher latina e “caliente” – também aplicado à modelo Larissa Riquelme – recaia em uma vitimização da beldade paraguaia. Nascida em 1985, em Assunção, Larissa teve uma infância feliz e sempre gostou de futebol. “Quando pequena, eu ia ao campo ver o time de futebol do meu pai jogar”, conta. Fingir que era modelo famosa era uma de suas brincadeiras favoritas de menina. Começou a carreira em 2005, ao ganhar o reality show Verano Show. “Se a carreira de modelo não desse certo, eu seria advogada”, especula.

Já famosa em seu país, foi paga por uma empresa de telefonia para fazer a propaganda de uma marca de celulares durante os jogos do Paraguai na copa de 2010. O marketing saiu pela culatra. Como uma artilheira do mundo das celebridades instantâneas, Larissa soube mirar a bola na boca do gol. Apareceu na mídia não só como garota-propaganda, mas também pelo modo passional com que torcia por sua seleção. 

Muito se especulou sobre seus 15 minutos de fama. Para alguns, eles não durariam até o final da Copa. Mas, mesmo com o fim do maior evento esportivo do mundo, ela se manteve na mídia – ainda que esporadicamente – até a chegada do dia 3 de julho de 2011, quando reapareceu nos jogos da Copa América torcendo fervorosamente pelo Paraguai. Em pleno inverno, continuou mostrando seu deslumbrante derrière e o celular entre os seios – sua marca registrada.

Desde que apareceu na Copa, a modelo já lucrou cerca de US$ 1 milhão e vem recebendo inúmeros convites para propagandas de celulares, reality shows e novelas. Para aparecer nos jogos da Copa América, a modelo recebeu a quantia de US$ 15 mil por jogo. Dessa forma, acabou criando uma nova modalidade de torcedora que tem surgido aos montes durante os jogos de futebol pela América Latina. Foi também durante a Copa América que as modelos peruanas Irina Grandez e Daysi Araujo ganharam seus minutos de fama. O script era o mesmo de Larissa: blusa decotada com cores patrióticas e o celular entre os seios. Agora fazem propaganda desse novo tipo de serviço especializado de torcedoras decotadas em diversos vídeos do YouTube. Na Venezuela, a versão de Larissa tem por nome Diosa Canales. Modelo já conhecida entre seus compatriotas, Diosa usou uma versão mais que mini do uniforme de futebol venezuelano em uma aparição na Plaza Alfredo Sadel de Las Mercedes, em Caracas. Sua presença durante os festejos da vitória da Venezuela sobre o Chile foi suficiente para atrair os comentários da imprensa internacional. Em meio à brincadeira das Evas latinas quase descamisadas, até mesmo uma Larissa chinesa surgiu durante o jogo do Real Madrid contra o Guangzhou Evergrande, em agosto. “Não me incomodam essas mulheres que se vestem e posam da mesma forma que eu”, finaliza Larissa Riquelme, que, quando tem tempo livre, se reúne com suas amigas para realizar campeonatos de futebol feminino.

Publicado originalmente na edição impressa #2.

Confira mais fotos das evas latinas na nossa galeria no FlickR.