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Postado em 22/08/2013 - 12:55
Extremidades da foto
Paula Alzugaray

Na sétima edição da SP-Arte/Foto, em cartaz até domingo, destaque para trabalhos em foto-performance, registro de ações e intervenção na paisagem

A presença significativa de registros de ações e de foto-performances nesta 7ª SP-Arte/Foto confirma que a fotografia é um meio híbrido e permeável a outras linguagens artísticas. Natural, portanto, que numa feira especializada como esta encontre-se, cada vez mais, trabalhos que tocam as extremidades da fotografia.

Propomos então um roteiro de “extremidades da foto”, expressão que evoca o trabalho da crítica Christine Mello, “Extremidades do vídeo”, publicado em 2008. Nessa pesquisa, ela faz um levantamento da produção videográfica brasileira a partir de seus cruzamentos com outras linguagens, como cinema, games, inteligência artificial, artes visuais.

Assim como o vídeo, a fotografia é um meio altamente flexível, permeável e híbrido, que se dispõe a dialogar com outros meios e linguagens, gerando novos campos de ação, que escapam aos gêneros tradicionais que por muito tempo esquematizaram nosso entendimento da produção artística. A documentação de performances e de intervenções na paisagem urbana ou natural estão entre esses campos de pesquisa que se dão tanto no âmbito do vídeo quanto da fotografia.

Videoperformances e foto-performances são práticas estéticas que tem, na maior parte das vezes, um alto teor político. Especialmente aquelas que foram realizadas nos anos 1970, que promoviam uma crítica aos meios hegemônicos de comunicação e a censura de governos militares.

A foto-performance é realizada em espaços privados, diretamente para a câmera, na ausência de uma audiência. A câmera não apenas documenta a ação, mas assume a função do público. Torna-se o interlocutor da ação, adquirindo uma função dialógica e central. A foto-performance é, portanto, resultado de um processo de comunicação do artista com a câmera, praticado por várias gerações de artistas, desde os anos 1960 até hoje.

Já os registros de performances documentam ações que não foram realizadas exclusivamente para a câmera, mas sim para um público presente. Embora essa foto-registro não tenha seja necessariamente produzida com o fim de se tornar obra, foi definitivamente assimilada pelo mercado como objeto artístico.

A Galeria Jaqueline Martins reúne em seu stand a maior concentração de foto-performances e registros de ações jamais realizada no Brasil. Trata-se de um recorte de uma exposição que entra em cartaz na galeria em 27 de agosto e que constitui uma chance raríssima de conhecer trabalhos dos pioneiros Regina Vater, Franz Walter, Hudinilson Jr, Gastão de Magalhães ou Jannis Kounellis, Yves Klein, Charlotte Moorman, Vito Acconci, entre outros.

Antropometrias de Yves Klein

Ao lado das fotos e do filme que Hans Namuth e Paul Falkenberg realizaram de Jackson Pollock em ação em uma de suas Spot Paintings (1951), a série Antropometrias de Yves Klein (1960-62) é um marco referencial para a fotografia de performance.

As Antropometrias são compostas não apenas pelo resultado final – gravuras feitas pela impressão de corpos diretamente sobre o papel – mas também pelo registro da performance que consistia em Klein regendo uma banda e a ação de modelos lambuzando seus corpos em tinta azul.

Essa série é definitivamente um starting point da prática da ‘pintura expandida”, que ganha substância a partir dos anos 1960, e que tomaria força, por exemplo, na obra coletivo japonês Gutai.

Richard Serra: escultura em campo expandido

Outra extremidade tocada pela fotografia de performance nos anos 1970 é a escultura. Em registro de performance relizada em Roma em 1972, o escultor Richard Serra realiza uma coreografia corporal para testar peso, forma e consistência de uma material. O trabalho experimental de Serra, pouquíssimo conhecido, é mais um exemplo dessa fotografia que se deixa “contaminar” por outros campos e linguagens.

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Regina Vater

Regina Vater é uma das primeiras artistas brasileiras a inaugurar a pesquisa como foto-performance. A artista pertence à geração dos pioneiros do vídeo no Brasil, nos anos 1970. Como Anna Bella Geiger, Ivens Machado, Sonia Andrade, Leticia Parente, Ana Vitória Mussi, entre outros, Vater revela a presença crítica de seu corpo em muitos de seus trabalhos.

Diferentemente de seus contemporâneos, no entanto, não realizou videoperformances e escolheu como mídia, a fotografia. A artista realizou dezenas de trabalhos em foto-performance. A galeria Jaqueline Martins expõe “Assalto” e “Sopa”, fotografias vintage, de 1978, da série ART, em que Vater registra a inserção da palavra art e de gestos artísticos em situações banais do cotidiano.

Brigida

Legenda: Casa de abelha – dentro da natureza (2002), Brigida Baltar, uma das artistas representadas pela Galeria Nara Roesler.

Brígida Baltar

A obra de Brigida Baltar apresentada pela Galeria Nara Roesler é outro caso já clássico de relação dialógica entre corpo e fotografia/ paisagem e fotografia. “Casa de abelha – dentro da natureza”, de 2002, é um trabalho que promove trânsitos entre as linguagens da escultura, do desenho, da instalação, da performance e da fotografia.

Nesta série, a artista fabula uma metamorfose do corpo em colmeia, em uma especulação das relações entre natureza e cultura.

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Delson Uchoa

O artista se insere na tradição da pintura e integrou a lendária exposição Como vai você Geração 80, na Escola Visuais do Parque Laje, em 1984. Como outros pintores de sua geração, reiventa a pintura, em relação com outros campos.

As fotografias Bicho da seda, de 2012, expostas na SIM galeria, é um projeto de intervenção na paisagem que teve início quando Uchoa começou a observar uma cena bastante comum no nordeste brasileiro: um grupo de pessoas se protegendo do sol sob sombrinhas coloridas.

A incidência do forte sol sobre o poliéster foi o efeito que ativou o trabalho. O artista então adquiriu centenas desses objetos, que foram dissecados, repintados e remontados em objetos pictóricos tridimensionais. Aquela cena inicial foi então interpretada pelo artista como uma “performance casual”, “reeditada” na forma de intervenções, que ganharam o aspecto de paisagens-pinturas.

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Camila Sposati

Highlands (Rainbow), 2012
Da série Fumaças

A série Fumaças, realizada por Camila Sposati desde 2007, se insere na tradição da land art, de intervenções sobre a paisagem.

Suas intervenções de fumaça colorida podem ser entendidas como uma performance espacial, que estabelece uma experiência cotidiana ou social. isso ocorre quando ela instala esse elemento estranho – fascinante até – no centro de um pequeno povoado, como fez em Xixuaú (2013), ou do centro de São Paulo, como fez em 2007.

Para a ação realizada na 7ª Bienal do Mercosul, em 2009, intitulada Domingos Violeta, as ações de uma fumaça de cor violeta foram programadas para os domingos e duraram de 15 a 20 minutos diante do rio Guaíba. Sobre esse evento, a artista escreveu: “A fumaça propoe significados paradoxais, pois ao mesmo tempo em que alude a violência e a guerra tambem esta ligada à celebração. Tanto a  matéria quanto o seus significados são instáveis.”

“A escolha do domingo responde a vontade de compartilhar  essa escultura momentânea com a cidade, no local e no dia de maior visitação publica em Porto Alegre.”

Mas as fumaças de Camila Sposati podem ser também uma experiência estética, produzida para a ausência de vida social, como ocorre em Highlands (Rainbow) (2013), fotografia exposta no stand da Casa Triângulo, desenvolvida para uma exposição individual na Highland Institute For Contemporary Art, Escócia, em 2012.

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Marcelo Moscheta

A série Fotocromáticos de Marcelo Moscheta começou com um diálogo entre o artista e o acervo botânico do Museu Emilio Goeldi, em Belém do Pará. Depois, se estendeu a fotografias em preto e branco tiradas em viagem ao Ártico. Agora, surge em fotografas tiradas no deserto do Atacama. As imagens, apresentadas no stand da Galeria Leme, são sempre cotejadas com páginas do catálogo de cores Pantone, que sugere a gama de cores que foi subtraída da imagem em questão.

Por que este trabalho pode ser lido como uma intervenção sobre a paisagem? O trabalho se insere em todo um grupo de trabalhos que efetivamente são intervenções espaciais, mas, em realidade, ele é um trabalho de intervenção sobre a fotografia de paisagem.

Convidado pela curadora Alexia Atala para uma temporada no deserto do Atacama, em 2012, Moscheta realizou lá uma série de trabalhos site-specific sobre cartas celestes e mapas geográficos. A obra “Linha: Tempo: Espaço” foi criada a partir da experiência do artista em alinhar pedras soltas sobre o Tropico de Capricórnio que cruza o deserto.

Ao convidar artistas para residências no deserto, o projeto Plataforma Atacama incentiva a realização de intervenções sobre a paisagem e contribui para o desenvolvimento dessa fotografia fronteiriça e extrema.

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Fabiano Rodrigues

Outro exemplo de intervenção sobre a paisagem – dessa vez sobre a paisagem urbana – são os trabalhos realizados no MAC Ibirapuera, que dão continuidade a série de autorretratos em que Fabiano Rodrigues manobra seu skate em espaços institucionais conhecidos pela arquitetura emblemática.
Nas fotos expostas no stand da Galeria Logo, ele realiza intervenções sobre a arquitetura de Niemeyer e sobre um castelo polonês que, durante a Segunda Guerra, foi reformado para se tornar a residência de Hitler, o Castelo Imperial de Poznan.
Fabiano Rodrigues se aproximou da fotografia ao entender que sua atividade como skatista era um ato performático. Em busca de uma linguagem capaz de dar conta de suas ambições expressivas e performáticas, desde 2010 desenvolve a pesquisa de autorretratos, clicados em meio às suas manobras de skate.

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Eduardo Kac: pornogramas

Este roteiro de foto-performances pela SP-Arte/Foto encerra-se com os Pornogramas de Eduardo Kac, realizados no início dos anos 1980, antes portanto da abertura política. São trabalhos ainda altamente engajados em um processo de afirmação política e estética do corpo, expostos no stand da galeria Laura Marsiaj.

O projeto inicia-se entre 1980 e 81, quando, no contexto repressivo da ditadura, Kac realiza poemas pornôs e participa de um coletivo, o grupo Gang, braço performático do Movimento de Arte Pornô. As ações desse grupo em praças, praias e teatros do RJ envolvem inclusive intervenções urbanas na forma de grafites e pichações, como o poema-grafite Overgoze, que Kac imprimiu sobre muros da cidade.

Os grafites e as ações do grupo Gang eram realizadas para o público. Tratavam-se, segundo o artista, de uma poesia que deveria ser gritada na multidão e que contava com a participação de uma audiência, em espaços públicos.

Em 1981, Kac inicia a série de foto-performance Pornogramas, que consiste em cerca de dez poemas visuais compostos por corpos especificamente para serem fotografados. Trata-se de um trabalho fronteiriço entre a fotografia, a poesia e a performance, através do qual, o artista buscava fazer “uma poesia escrita com o corpo”.

Serviço:

SP-Arte/Foto/2013 – 7ª Feira de Fotografia de São Paulo

22 a 25 de agosto

Shopping JK Iguatemi, 3º Piso, Av. Pres. Juscelino Kubitschek, 2041